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Pessoal amigo e visitas, estou de volta, cheguei. Com a ajuda do Luís Ferreira, meu companheiro nesta aventura, o Machu Picchu é nosso! Ao cabo de um mês de viagem, nove descolagens e outras tantas aterragens, vários milhares de quilómetros por via rodo e ferroviária dos quais umas centenas à boleia, uma tentativa de assalto com sequestro e um furto consumado particularmente doloroso entre outras vicissitudes, eis-nos de regresso ao nosso querido rectângulo, de que vamos gostando mais a cada saída.
Imaginava eu, à partida, que através das novas tecnologias de que o meu novíssimo notebook é distinto representante, poderia actualizar este espaço, se não diariamente, pelo menos com a periodicidade necessária para que os interessados não acabassem por perder completamente o fio às nossas deambulações. Porém, o programa foi demasiado intensivo para que tal objectivo pudesse ser concretizado, ainda que os meios técnicos (Wi-Fi) fossem quase omnipresentes e estivessem disponíveis em tudo quanto era hotel, aeroporto, terminal rodoviário ou estação de CF, lanchonette etc. É que para além dos trechos em que nos fizemos transportar por meios “mecânicos” todo o reconhecimento topográfico das vilas e cidades por onde passámos, bem como a visita a locais de interesse foi feito “à lá patita”, de mapa na mão e mochila às costas. De maneira que, à chegada ao local de pernoita, geralmente tarde e a más horas, já não havia disponibilidade para mais nada que não fosse conciliar o necessário repouso para poder recomeçar o ciclo do dia seguinte, que não raras vezes teve início antes do nascer do sol.
Dadas as necessárias explicações para a compreensão desta prolongada falta de comparência, retomo hoje o trajecto no ponto em que o deixei, Campo Grande, capital do estado brasileiro do mato Grosso do Sul. Deixando o Gaspar, hotel nos onde nos havíamos instalado por quatro dias e três noites, partimos pelas 07h15 de 01 Dez. rumo a Corumbá, cidade situada na margem esquerda do rio Paraguai junto à fronteira com a Bolívia. O meio de transporte escolhido foi o autocarro dado que o comboio transpantaneiro apenas fazia menos de metade do percurso e em datas que não se coadunavam com a relativa urgência em “passar para o lado de lá”. Por outro lado, iríamos atravessar uma das mais belas regiões do planeta em termos de diversidade faunística, o pantanal brasileiro, e só um meio terrestre nos poderia proporcionar o tão desejado contacto visual com a bicharada. A este respeito e em abono da verdade, devo dizer que se a desilusão não foi total andou lá por perto. Graças a Deus, os animais não são tão estúpidos quanto muitos dos ditos racionais e por isso sabem defender-se de intrusos e curiosos como nós que, via de regra, nada de bom trazemos às suas existências. Por isso afastam-se com todas as pernas das movimentadas vias de comunicação, deixando-nos a ver … navios!
Os quatrocentos e tal quilómetros foram percorridos em cerca de sete horas e meia numa viatura em bom estado através de uma estrada asfaltada, com alguns troços deficientemente mantidos mas ainda assim perfeitamente transitável. Ao nosso lado, durante uma parte importante do percurso, corria a linha do comboio, o que serviu de triste consolo para o facto de não termos aguardado pela sua partida no domingo seguinte. Se através da janela do pullman não vislumbrámos mais do que água por todo o lado, um jacaré a apanhar banhos de sol, uma capivara que parecia estar-se cagando para nós e bandos de passarada de diversas cores e tamanhos, caso tivéssemos optado pelo “trem” nada teríamos visto de diferente. E a viagem teria sido mortalmente mais demorada e aborrecida.
Chegámos a Corumbá perto das três da tarde. A temperatura rondava os quarenta graus, a humidade e a transpiração colou-nos a roupa à pele mal abandonámos o conforto do ar condicionado do ”ônibus”.
Ainda no terminal, o Luís fez-se à bronca bronca! Apercebendo-se que era nesse local que funcionava o SEF lá do sítio, apressou-se a confessar o gravíssimo delito de ter esquecido em São Paulo o registo de entrada que lhe havia sido entregue pela polícia federal no aeroporto de Guarulhos. O jovem e diligente agente policial apressou-se igualmente a passar-lhe o consequente auto que obrigava o meu parceiro a liquidar no prazo de cinco dias a módica quantia de cento e sessenta e seis reais e oitenta e seis centavos. Entra Pacheco! No dia seguinte voltámos àquele departamento para solicitar o visto de saída para a Bolívia. A estratégia ia montada, atolámos o referido agente em paletes de simpatia, o qual, mediante uma cópia do tal papel enviada via fax a partir de São Paulo, rasgou o processo à nossa frente, limpou o registo na base de dados e perdoou a coima! Os brasileiros têm destas coisas para com os portugueses, o que me apraz registar na expectativa de que haja reciprocidade no tratamento dos brasileiros por parte das autoridades portuguesas. Da rodoviária seguimos de táxi para o hotel Santa Mónica, bem no centro da cidade. Uma curta viagem de pouco mais de cinco minutos que deu para perceber que a cidade já viveu melhores dias.
Não existem prédios de elevada volumetria ou arquitectura arrojada como em muitas cidades do interior do Brasil. O casario situa-se maioritariamente num anfiteatro natural sobranceiro ao rio, por esta altura ainda uma criança. Mil quilómetros a sul, o pachorrento Paraguai irá desaguar no Paraná, próximo da cidade de Corrientes, na Argentina. Ainda mais a sul, Paraná e Uruguai hão-de reunir-se no grande estuário do La Plata situado entre o Uruguai e a Argentina, uma espécie de portagem da extensa auto-estrada fluvial que a partir da costa atlântica penetra profundamente no coração da América do sul.
A zona ribeirinha de Corumbá é flanqueada por uma marginal com cerca de um quilómetro de extensão ao longo da qual podemos apreciar a traça de velhos prédios de estilo claramente “colonial”, datando alguns, certamente, do tempo dos portugueses. A maioria a necessitar de restauro urgente. Um passeio ao longo desta marginal deixa-nos adivinhar o que terá sido o intenso bulício de outrora com uma infinidade de embarcações de todos os tipos sulcando as águas do seu rio, levando e trazendo pessoas e mercadorias de lugares distantes onde só o barco podia chegar. Hoje, muito desse tráfego faz-se por via rodoviária e talvez devido à adesão ao Mercosur, até o velho edifício da Alfândega foi transformado em centro de congressos. Ainda assim, são muitas as embarcações no activo. Umas do tipo “bateau mouche” passeiam turistas levando-os ao interior da região pantaneira ou simplesmente umas milhas rio abaixo, o tempo de um almoço típico a bordo. Outras, mais prosaicamente, dedicam-se à pesca ou continuam a transportar pessoas e seus parcos haveres e quem sabe, algum pó, pois não podemos ignorar que algumas das mais importantes rotas do contrabando de cocaína passam por esta região.
E assim, dou por terminados os trabalhos de hoje. No próximo post farei a descrição da nossa entrada num país um tanto estranho, a Bolívia.
Até lá, cumprimentos do
Juan_jovi@sapo.pt