segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

50 - O Mundo é realmente pequeno!

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O Joaquim da Mota Longo, Joaquim Arenga para os amigos, num anexo do seu quintal onde passa o dia a exercitar-se!

À minha direita, o Joaquim Arenga e mulher. À esquerda, o Zé Xanandoa.

O casal Joaquim e Maria Mota Longo.

Com o José Gonçalves (Xanandoa) em casa do Joaquim, seu sogro.

Prestando ouvidos aos relatos históricos do Joaquim Mota Longo.

Com o Albino ao centro e o nosso já conhecido amigo Melim.

Ou será que a pertinaz curiosidade e inquietude do Homem, o fazem parecer pequeno?

Prometi no post anterior que não deixaria por muito tempo os meus amigos e visitantes sem notícias da passeata. E quem promete contrai dívida! Por isso aqui vai mais um texto, levezinho como se impõe, para deleite, espero eu, daqueles que aí bem longe do foco dos acontecimentos seguem com interesse as peripécias do giro. E porque a todos agradam, eis mais algumas histórias verdadeiras relatadas na primeira pessoa, sendo o meu papel o de simples escriba que as passou a letra de forma, perdoem o lugar comum.
Há muitos anos, mais de quarenta, tinha eu um amigo de ao pé da porta chamado José Gonçalves, conhecido entre a malta pelo “Xanandoa” devido à colagem que alguém fez entre a sua maneira de ser e a de uma certa personagem da série televisiva que passava na época. Era um rapaz um tanto reservado quando se tratava de alinhar nas macacadas próprias da cambada jovem dos anos 60/70, que se podiam resumir em duas palavras: Gajas e gajas! Penso que o traço fundamental da sua personalidade seria uma “timidez controlada” o que paradoxalmente o tornava o amigo entre os amigos.
Veio a tropa e o Xanandoa foi contemplado com guia de marcha para Moçambique. Eu fiquei a coçá-los por mais uns tempos, com a vantagem de ter um concorrente a menos no que tocava às “piquenas”. Até que chegou a minha vez de saborear umas merecidas férias de canhota na mão nas matas e bolanhas da Guiné. Daqui nasceu um desencontro que duraria muitos anos. O Xanandoa passou à disponibilidade mas não conseguiu adaptar-se àquela espécie de morte lenta que aguardava a maioria dos graduados milicianos regressados do ultramar. Deitou contas à vida contas à vida e, dado que tinha um primo instalado no Brasil no ramo da confecção e tecidos, aviou a mala e rumou a um novo mundo, indo bater à porta do Albino que o lançou no negócio. Desde então apenas nos encontrámos uma vez aquando de uma viagem relâmpago que fez à família após o falecimento dos pais. Palavras de quase circunstância e a promessa de que o visitaria no Brasil, marcaram esse nosso encontro. E passaram mais uns anos até que …
Tendo planeado este périplo com passagem por Campo Grande onde eu sabia vagamente que o meu companheiro de juventude se estabelecera, contactei a Graciete, irmã do meu amigo, a quem saquei o número de telefone do mano. O resto adivinha-se! Os abraços e as “ainda” viris palmadas nas costas, sublinharam a mútua alegria deste reencontro. Visitei o seu estabelecimento, localizado numa das mais nobres avenidas do centro da cidade, assim como o do primo Albino, inteirei-me do seu sucesso a nível empresarial, soube que casou, descasou, teve filhos que prosseguem carreiras independentes e frutuosas. Mantem uma relação filial com o sogro, sr. Joaquim da Mota Longo, outro conterrâneo que vim aqui conhecer, natural da Charneca, Pombal.
Ao inteirar-se da nossa próxima partida, o José Gonçalves ficou inquieto, quase nervoso. Tinha as suas razões e entre elas avultava o forte desejo de nos apresentar, a mim e ao Luís, ao senhor Joaquim seu sogro. O que acabou por acontecer e, a pretexto de um lanche, acabaria por nos proporcionar uma noite memorável.
O Joaquim, – vou usar o tratamento familiar -, quase na casa dos noventas, habita uma vivenda típica de gente abastada, com piscina e tudo, numa área residencial de primeira, na periferia da cidade. Recebeu-nos em calções e postura descontraída, tipo ó meu dá cá um bacalhau já que és da minha terra, abraço forte e jorros de cordialidade. A seu lado, a esposa D. Maria sublinhava com um sorriso tímido cada gesto do marido.
Já á volta da mesa, a minha ilimitada curiosidade quanto a figuras que representam pedaços de História viva como é o caso do Joaquim, levou-me a abusar da sua natural paciência e bonomia, colocando-lhe pergunta sobre pergunta, às quais respondeu sempre com o maior detalhe e visível satisfação. Fiquei assim a saber que chegou ao Brasil com mulher e filhos, sem vintém, há mais de cinquenta anos. Depois de uma breve passagem pelo Rio como caixeiro viajante de uma renomada casa de tecidos de São Paulo, acabaria por ser desterrado para o Mato Grosso do Sul, devido à animosidade de um colega, quando o estado era mesmo mato e do grosso. Área de negócio, manteve-se; tecidos por atacado e a varejo.
O Joaquim desse tempo foi, como muitos portugueses que aqui chegaram, um ícone do pioneiro dotado pela natureza ou pela necessidade de uma boa dose de aventureirismo. Tanto quanto um fura vidas, foi também um fura matos, pois ser caixeiro viajante nesse tempo e por estas redondezas, significava viajar dias e noites a fio em carros pouco confiáveis, por estradas de terra que ora ficavam submersas, ora desapareciam engolidas pela vegetação. Do seu ferramental faziam parte uma corda para desatascar o automóvel à força de boi quando era o caso, uma serra capaz de traçar uma árvore caída na picada ou ajeitar madeira para um improvisado pontão e ainda combustível e farnel para o que desse e viesse. Numa dessas viagens, contou ele, a estrada apresentava ao longo de toda a sua extensão aqueles pequenos sulcos a que os brasileiros chamam “costela de vaca” e que produz a conhecida e desagradável vibração de toda a estrutura do automóvel. Por ela viajou quilómetros e quilómetros até que o radiador … caiu! Indicaram-lhe então um “jeitoso” que poderia compor o dano. Era um homem já entrado na idade. Na vastidão do território, vivia num lugar tão remoto que não foi fácil dar com ele. Recolocou o radiador na posição adequada e enquanto executava o serviço foi-se abrindo com o Joaquim a quem confidenciou a sua profunda tristeza por se ter auto-condenado a uma vida de ermita. Muitos anos antes envolvera-se com outros numa tramóia que ficou conhecida pelo caso Alves dos Reis. Prestes a cair nas malhas da justiça, fizeram-no abandonar o país à socapa e assim chegou ao Brasil com o compromisso de nunca revelar a sua verdadeira identidade nem por qualquer via comunicar com a família. Esta, segundo ele, já o teria dado como morto havia anos. Dos outros, nada mais soube.
Noutra ocasião, pessoas amigas e entre elas clientes seus residentes lá onde judas perdeu as calças, pediram-lhe boleia para um sujeito que por ali aparecera uns dias antes e se revelara tão boa pessoa que conquistara a amizade geral. De início, o Joaquim ficou radiante com a possibilidade de viajar com companhia. Mas cedo se apercebeu que essa companhia não era assim tão boa. Em desespero e pressentido que o seu companheiro não passava de proeminente ladrão, começou a queixar-se da magreza dos lucros do seu negócio, acabando por “formalizar” o pedido de um empréstimo com que pudesse ao menos comprar o combustível necessário para chegar até casa. Com esta estratégia terá desincentivado o bandido do seu jeito quase certo de encostar a peixeira à barriga ou o “45” à cabeça da vítima. Soube pouco depois que o seu passageiro era conhecido pelo “Mão Branca”, devido a uma lesão de vitíligo que lhe descorava a pele de uma das extremidades. Reputado criminoso, responsável por diversos assassínios a sangue frio, procurado por todas as polícias do país, viria a ser encurralado e abatido pelas autoridades após mais um crime. Desta feita, a vítima fora um rico negociante de diamantes que com avultada quantia dentro de uma pasta se dirigia ao seu avião particular com o objectivo de efectuar pagamentos aos garimpeiros. Conta o Joaquim, que morreu com a pega da pasta na mão depois de esta lhe ter sido arrancada pelo facínora.
As histórias não acabariam por aqui, mas dado que esta já vai tão longa, faço um notável esforço de contenção (!), para não correr o risco de vos aborrecer até ao tutano.
Juan_jovi@sapo.pt

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