Andava eu na primária quando a professora nos explicou que o homem era o único ser á face da Terra que tinha o poder de alterar (contrariar) o curso da Natureza. Mais tarde e em tom de brincadeira, alguém me disse que pela forma como estávamos a tratá-la, ou nós acabávamos com a Natureza ou ela acabava connosco. Tenho para mim que ambas as teses pecam por exagero. Embora sejamos uma espécie que desde tempos remotos foi capaz de produzir sucessivas gerações de incríveis engenheiros e arquitectos cujo labor permitiu que franjas da humanidade tenham vivido num mundo confortável, sendo aquele que temos hoje inimaginável para os nossos avós, devemos reconhecer com humildade que apesar do poder intelectual e capacidade de realização que nos foi dada, é pura presunção compreender a Natureza, dominá-la ou simplesmente contrariá-la.
Ainda mal se completou uma semana sobre a tragédia da Madeira e já outra se anuncia. A avaliar pela intensidade (8,8), o sismo que esta manhã atingiu grande parte da costa ocidental da América do sul terá deixado um rasto imenso de morte e destruição. Recuando até um tempo que a minha memória alcance, não me lembro de nada assim. Ultimamente chove no deserto, faz calor nos pólos, as entranhas da Terra expelem metralha como nunca, os rios transbordam e o chão treme como varas verdes. Os oceanos agigantam-se abocanhando extensas faixas de litoral e quem lá mora, e das ventas de algum dragão enraivecido saem as baforadas que reduzem a palitos florestas, campos agrícolas e cidades inteiras. Chamamos-lhes tufões, ciclones, furacões ou tornados, embora constituam a mesma entidade. Parece que a mãe Natureza está disposta a expulsar-nos do seu útero!
Porém, o que também não falta no nosso mundo são os engenhêros da política, da economia, do urbanismo etc. Depois acontecem coisas muito desagradáveis; o país abeira-se da bancarrota (que exagero!), a pandemia de gripe H1N1 revela-se um flop, e a Madeira quase vai ribeira abaixo. Logo surgem os teóricos da responsabilização a todo o custo. É preciso encontrar os culpados e apontar-lhes o dedo, de preferência em frente a uma câmara de televisão. E assim, direitinho ao purgatório, hão-de ir os activos tóxicos dos USA, os maus epidemiologistas da OMS, e as obras do Alberto João!
Façamos um acto de contrição e admitamos que, culpados se os há, somos nós todos, ponto final, parágrafo. Talvez assim possamos compreender que o bom senso tem um preço elevado, mas a burrice paga-se bem mais caro. Se a Pérola do Atlântico necessita do turismo como do pão para a boca, literalmente falando, em nome desta indústria que alguns profetizam tornar-se a mais importante do séc. XXI, não vale tudo! Nem lá, nem cá nem em parte nenhuma do mundo. Abundam os maus exemplos onde a exploração desta actividade quando levada ao limite só trouxe desgraças ao ambiente, às pessoas e à própria economia. Aos madeirenses gostaria de dizer que se a agonia que sinto no meu coração pela desgraça que os atingiu pudesse salvar alguém, nem teria havido temporal. As casas, os comércios e seus recheios, os muros, as pontes e as ruas, tudo se reconstruirá e haverá de ficar mais belo do que antes. Mas das pessoas que perderam a vida, só restará a dolorosa saudade. Inconsolável quando se trata dos pequenitos, e eu tenho-os daquela idade.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
61 - Tenho o coração agoniado.
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Orquídea, uma flor que simboliza a ilha da Madeira.
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Solidário com o Povo da Madeira.
ResponderEliminarImporta reflectir que as linhas de águas e os seus leitos de cheia são, seguramente, sua propriedade.
Pretender apropriar-se de terrenos alheios, é crime.
A Natureza, como qualquer humano, defende o que é seu e assim se vê, porque assim o fez.
O Ordenamento do Território não pode ser passível de uma qualquer decisão política. Tem que existir o "saber" e respeito pelos Sítios.
E não se diga, agora ou depois, que isto se passa apenas na Madeira. Por cá são aos milhares as situações, lamentavelmente, comparáveis.
Agora é só tratar dos vivos e enterrar os mortos.