domingo, 6 de junho de 2010

71 - O fim de um passeio ou "não há bem que sempre dure".

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No terraço da pousada de juventude de V. N. de Foz Côa na manhã de 28/5. Da esqª. para a dtª: Júlio, Mª da Luz, e de óculos este vosso amigo, o escriba.
Matriz de Torre de Moncorvo.

Fole de antiga forja, no Museu do Ferro em Torre de Moncorvo.

Ainda uma vista de Torre de Moncorvo.
Paisagem duriense. Um trecho do Douro Internacional.

Lá em baixo, Barca D'Alva. O rio, a barragem, um barco atracado no porto fluvial.

Castelo de Mogadouro.

Ceia na feira medieval de Miranda do Douro.

Um animador do certame.

De V. Nª de Foz Côa a Miranda do Douro.

Sexta feira, 28 de Maio. Acordar em Foz Côa numa manhã luminosa como a de hoje é um daqueles pequenos acontecimentos da vida que não é possível descrever apenas com palavras. E as imagens saltam da retina para o cérebro, procurando a segurança da casa forte onde se guardam as recordações e a saudade dos momentos felizes. É o que sinto nesta manhã ao contemplar a partir da janela do meu quarto as esplendorosas arribas do Douro e do Côa, batidas pelos primeiros raios de sol. Vestida a rigor, numa altura do ano em que predomina o verde ainda vicejante dos vinhedos com “benefício” e das frágeis florestas de amendoeiras e olivais, a região revela-nos a generosa prodigalidade de uma terra onde os menos atentos apenas destrinçariam mato, enormes fragas e solos de xisto ressequido. Aqui, o ar puro não pesa! É tão fino que penetra nos pulmões sem ruído nem esforço. Recomendá-lo-ia como um daqueles locais onde os citadinos podem vir fazer uma cura de “descarbonização” para limpeza das vias respiratórias entupidas pela poluição das suas “privilegiadas” cidades. Aqui, o sossego não significa apenas quietude, mas também paz, daquela que inunda a alma e empresta outro significado à vida. Quanta pena me faz a ignorância de certos “lisboetas”, alguns com responsabilidades, que parecendo nunca terem viajado para norte de Vila Franca de Xira, se referem ao Portugal interior como uma espécie de “traseiras” da capital. Que lástima!
De novo en route, a nossa primeira paragem ocorreu no momento em que as comportas da eclusa do Pinhão encerravam para dar passagem a um barco–hotel vindo de Barca de Alva, rumando a Vª Nª de Gaia. Um espectáculo da engenharia humana que nunca cansa admirar e … fotografar. Na vila de Torre de Moncorvo e para abrir, dedicámos parte da manhã ao primeiro cafezinho do dia, tomado na esplanada de um pequeno jardim onde florescem os únicos especímenes de azevinho arbóreo que conheço. Deambulámos pelo centro histórico, com passagem obrigatória pelo largo da matriz, que visitámos e, dado que nos encontrávamos no centro de uma importante região mineira, não poderíamos perder uma eloquente exposição sobre a matéria com que nos presentearam na visita guiada ao Museu do Ferro.
A barriga começava a dar horas quando nos pusemos a caminho dos Carviçais onde, no restaurante “O Artur”, nos foi servida uma monumental posta mirandesa, como é tradição da casa. E que nota dar às entradas onde não faltaram as alheiras, das legítimas, nacos de queijo da serra, fatias de presunto e paio? Tudo por conta do casal, nossos companheiros Manuel Ferreira e Mª da Luz que nesse dia festejavam o seu 32º aniversário de casamento. Muitas felicidades para eles e que possam dar um forte rombo nas estatísticas!
Freixo de Espada à cinta, agora moderna e airosa e Barca de Alva foram os destinos seguintes. Em pleno parque natural do Douro internacional e entre esta duas localidades, existe um ponto no mapa que é proibido falhar. Chama-se ele Penedo Durão, um miradouro sobranceiro ao Douro onde, pontuando uma paisagem deslumbrante, podemos observar uma espécie da família dos abutres, aves majestosas tanto pela envergadura como pela serenidade do voo fazendo-se elevar à altura dos penhascos mais altos impulsionadas pelas colunas de ar quente. Lá em baixo, Barca de Alva, o rio, a central hidroeléctrica, os barcos, os turistas (poucos), e a azáfama, quase nenhuma. Nesta vila existe um dos mais notáveis testemunhos do que pode ser a morte mais do que anunciada de uma importantíssima localidade raiana; a sua estação de caminho de ferro. Tratando-se de uma estação de fim de linha, internacional, não será difícil adivinhar a sua importância para a região e para o país no tempo em que as pessoas e a economia do interior contavam. Do imponente edifício de dois pisos apenas resta a cor branca da sua alvenaria, que não conseguiram roubar. Entregue ao abandono, esventrado, violado, ali jaz, sem portas nem janelas, qual cadáver rejeitado pelos cães vadios. A seu lado, um imenso hangar construído em sólida madeira, onde outrora mercadoria valiosa ou o simples cabaz de hortícolas destinado à família da cidade aguardavam o apito da partida, serve de abrigo à bicharada, completamente vandalizado. Uma tristeza! Não poderiam ao menos entregá-lo a uma associação de juventude, daquelas que buscam a região para a prática de desportos radicais como a escalada, canoagem ou rafting? Ali poderiam guardar material, instalar a sua sede ou um albergue, por exemplo. Não pode ir longe um país onde os responsáveis apresentam tal nível de negligência. Grosseira, mesmo.
De regresso ao entroncamento com a EN220, fizemos 36 kms de curvas e contracurvas, já o sol se aproximava do ocaso. Ainda com luz do dia subimos à muralha do castelo da buliçosa Mogadouro, moderna, forte em comércio e prestação de serviços à população das redondezas. A chegada a Miranda do Douro deu-se já com os faróis acesos! Para trás, espero que não por muito tempo, ficou a patrimonial e historicamente rica Sendim. Escolhido e convenientemente negociado o local da pernoita, restava-nos um bom par de horas para dedicar à bela cidade que nos acolhia. Por sorte nossa, decorria na mesma o primeiro dia de um festival medieval com a graça e o rigor histórico que os participantes quiseram emprestar-lhe. Resolvemos participar! Sentados num banco corrido, tendo à frente uma mesa tosca, fomos fartamente tratados à base porco na brasa, moelas guisadas, pão de centeio e vinho servido em malgas. Os estalajadeiros fardados a preceito, tipo albornoz de burel apertado na cinta com uma espécie de cordão de estopa, capuz e tudo, mostraram uma simpatia sem limites para com este grupo de esfaimados forasteiros. Estudantes uns, trabalhadores outros, fazem parte do grupo de pauliteiros do lugar de Malhadas e estavam ali para angariar fundos para mais uma digressão; acabavam de chegar da Venezuela. Quanto a nós, sobrou-nos alento para uma volta pela feira onde predominava o artesanato das navalhas e facalhões, tanoaria e peles. No palco exibia-se uma banda medieval francesa que tocava música do seu tempo enquanto saltimbancos, bobos e malabaristas atraíam a atenção dos visitantes. A noite estava a ficar bem fria, meteorologicamente falando, quando regressámos ao hotel para uma noite sem sonhos. Digo eu!
Juan_jovi@sapo.pt

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