E o Apito ...
Na Índia, como de resto em muitos outros países, vestir um uniforme confere a qualquer cidadão um indiscutível status. Melhor ainda se, a par do uniforme, for dado ao bacano o direito ao porte de arma. E se a arma pertencer ao estado (militares, polícia etç.), então estamos perante alguém!
Na Índia, como de resto em muitos outros países, vestir um uniforme confere a qualquer cidadão um indiscutível status. Melhor ainda se, a par do uniforme, for dado ao bacano o direito ao porte de arma. E se a arma pertencer ao estado (militares, polícia etç.), então estamos perante alguém!
A paranoia securitária desta
sociedade é inaudita. Por todo o lado se vêm ninhos de metralhadora, devidamente guarnecidos, construídos
com sacos de areia: Nos átrios do metro e nas
plataformas dos comboios, ao longo das principais avenidas da cidade e até nos passeios das ruas
comerciais mais movimentadas. Lá terão as suas razões, razões essas que na
qualidade de visitante não posso nem devo discutir. Agora que incomoda, incomoda,
e ninguém diga o contrário! Nunca vi tanta gente exibindo arma a não ser,
talvez, em Maputo que visitei há uns anos quando o país acabava de sair de uma
guerra civil. É verdade que os homens das forças policiais – há-as de vários
tipos – andam bem equipados quanto à artilharia com que se fazem acompanhar
para todo o lado. Já a maioria dos “securitas” apenas tem direito ao porte de canhangulos
que são verdadeiras relíquias; caçadeiras de um ou dois canos laterais e cães à
vista, tão velhinhas que o oxidado original, preto para quem não sabe, há muito
desapareceu. Estas armas são agora da cor das panelas quando bem areadas devido
à polidela diária e obrigatória.
Mas aqui, na Índia, também há a burocracia
securitária. Eis alguns exemplos: Para se comprar um simples cartão SIM a fim de
fazer chamadas mais baratas, é-nos exigida documentação em que entram
fotocópias de Visa e Passaporte, nome do hotel onde estamos alojados, itinerário
anterior, cidade e país de destino, fotografia a cores, números de telefone e
residência em Portugal, impressos, declarações e assinaturas várias. Para usar
um computador na área da recepção do hotel (Parkway Deluxe) onde redijo este
post, em Delhi, tive que assinar um documento onde basicamente constava tudo
quanto atrás descrevi mais o nome do pai e da mãe! Para se adquirir um mero
bilhete de comboio é necessária papelada que em rigor e volume equivale à que nos
é solicitada em Portugal para se fazer uma escritura no notário. Qualquer recém
encartado recepcionista de hotel, escalpeliza os nossos documentos como se fosse
um oficial do serviço de estrangeiros e fronteiras do seu país. E tem razão,
fá-lo para não ser ele entalado. A polícia vem todas as noites escrutinar e
rubricar o livro onde se encontram registados os hóspedes, sempre à procura de
eventuais falhas. Eu próprio fui “arrancado” da cama através de uma chamada
telefónica e convidado a dirigir-me até junto de um destes indivíduos para
explicar como é que podia estar alojado no hotel antes de ter dado entrada na
Índia ?! Conferidos os dados do passaporte e detectada a burrice fui mandado de
volta para a cama! Nem a pedido de desculpas tive direito.
Esta paranoia é geral, colectiva
e acima de tudo ridícula para não dizer mesmo risível. É certo que o estado de
permanente crispação com o vizinho do norte tem passado por perigosas fases de agudização
agravadas pelos acontecimentos de há dois ou tês anos em Mumbai. Mas, daí a
transformar o país numa espécie de estado policial e controleiro como aqueles
de que se ouvia falar na vigência do defunto Bloco de Leste, parece um exagero.
Sobretudo, porque as medidas tomadas são, mesmo aos olhos de num leigo, de todo
inefectivas. Por exemplo: Não há loja digna desse nome, centro comercial, hotel
de gama média, condomínio, parque ou jardim etç, etç, que não tenha segurança pública
ou privada. Para além desta, há os “agentes” cuja função é revistar os utilizadores
desses espaços. Lá estão também os conhecidos pórticos, dispositivos de RX que vasculham a nossa bagagem à semelhança do
que acontece hoje em dia nos aeroportos. Porém, são tantas as falhas que
observei no sistema que a meu ver a sua única valia terá sido a criação de
milhares de postos de “trabalho”. Cito
as situações em que autênticas enxurradas humanas acedendo a cada minuto às
plataformas dos comboios ou Metro, com pessoas e mercadorias a saltarem por
cima ou por baixo de muros, cercas ou barreiras electrónicas, ou infiltrando-se
através de passagens interditas, se furtam assim, virtualmente, a qualquer tipo
de controlo. Os oficiais lá estão, até parecendo que atentos aos monitores de
RX ou às manobras de eventuais prevaricadores. Fiquei no entanto com a
impressão de que não raramente estão a passar pelas brasas ou a namorar ao
telefone como ainda hoje constatei ser o caso de uma jovem e bonita polícia! No
Hindustantimes de hoje (24/04), pode ler-se o seguinte título: “10 sacos que
poderiam ter sido dez bombas”. A história desenvolve-se deste modo: Uma equipa
do jornal abandonou em dez pontos estratégicos da cidade onde é exigida a mais
alta segurança, dez sacos contendo objectos metálicos, restos de papel amachucado
e garrafas. Pois pasme-se, estas pseudo-bombas ali ficaram durante horas até
que alguém desse por elas. No comment! Pela minha parte, ninguém me tira da
cabeça que o mesmo poderia ter acontecido em qualquer outra cidade do mundo. Todas
aquelas medidas, que ainda por cima implicam o pagamento de taxas como é o caso
do transporte aéreo, não são mais do que operações de cosmética para convencer
os papalvos de que tudo está bem e seguro no reino da Dinamarca. Não posso
terminar este texto sem fazer referência a uma outra situação, deveras cómica,
que tenho presenciado. É a seguinte: Neste país, qualquer pessoa a quem tenha
sido atribuído o mais leve vestígio de “autoridade”, faz-se acompanhar sempre de
um cacete de bambu com mais ou menos metro e meio de comprido. São os polícias,
numa mão a espingarda na outra o varapau, vigilantes e guardas, funcionários do
Metro e da Índia Railways (ou ao seu serviço), contínuos e porteiros. Usam-no
em simultâneo com estridentes apitadelas para pôr o pessoal na fila, para o
tirar da fila, para o fazer calar, avançar ou recuar, para o dividir por
grupos, para lhe balizar ou impedir a passagem … Até vi um velho Imã de uma
mesquita correr à paulada um crente que se esqueceu de tirar os sapatos à
entrada do templo! Acho que, em determinada ocasião, eu próprio não apanhei umas
arrochadas por ter a tez um pouco mais clara! Porém, parece-me óbvio que não
existe por detrás desta forma de actuação nenhuma vontade de dar porrada em quem
quer que seja. O cajado terá apenas valor simbólico. Reforça a autoridade e mostra
a todos quem é que manda. As suas raízes podem situar-se, talvez, no tempo da
ocupação colonial. Ou não. Mas não deixa de ser desconcertante que em pleno
século XXI, naquela que é a maior democracia do mundo, um povo pacífico, afável
(e fatalista), aceite resignadamente estas tropelias. Entrega-se de corpo e
alma aos seus Deuses e, como a maioria de nós, acredita pouco nos políticos!
Neste texto deixei alguns
salpicos que não são de irritação, apenas de alguma ironia. Contudo, e antes de
terminar, quero deixar uma homenagem e a expressão do meu sincero agradecimento
às autoridades, funcionários públicos e trabalhadores do sector privado e de
uma maneira geral a todo o povo indiano, pela forma simpática, amistosa e
sobretudo tolerante como só ele sabe receber os seus visitantes. Fica aqui
também a garantia de que hei-de voltar!
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