quinta-feira, 12 de abril de 2012

84 - Pushkar.


Uma viagem ao cú de judas!
Manhã de 2ª feira, 9 de Abril. São 08.30. Pontual, o nosso motorista Sanjay Kumar aguarda-nos no lobby do hotel. É um hindu de 27 anos, filho de pequenos agricultores que não conseguem retirar da terra mais do que o estritamente necessário para a sua subsistência. Baixote, anafadito, cabelo quase rapado já com duas razoáveis entradas a propagarem-se ao cocoruto, parece contrariar a generalizada magreza da maioria dos seus concidadãos. Tem mulher e dois filhos. Parece um puto porreiro e vai ser o nosso guia-intérprete, motorista e guarda costas durante dez dias. Do ponto de vista profissional é importante que tudo corra bem, diz ele. Dos passeios e visitas às idas às compras, passando pelos cuidados na condução e questões de segurança, tudo o que nos diga respeito, a ele diz respeito. Foi-nos apresentado pela agência a quem contratámos o tour. E para que não houvesse surpresas, acompanhou-nos como táxi-driver durante um dia inteiro num city-tour em Delhi. Com a condição de ser substituído caso surgisse alguma “incompatibilidade”. Tal não aconteceu e até agora a sua prestação tem sido boa, revelando-se uma pessoa muito prestável.
O nosso carro.
A viagem até Pushkar foi apenas um pouco menos do que infernal. Sete horas dentro de uma carrinha Toyota tipo monovolume (SUV) sob temperaturas da ordem dos quarenta graus. É fogo! Felizmente o ar condicionado funcionava bem e havia espaço suficiente dentro do veículo. As duas primeiras horas de condução foram absolutamente impróprias para cardíacos. Não vale a pena entrar em grandes pormenores porque só vendo. Nada do que aprendemos nos códigos da estrada europeus é válido aqui. Por exemplo, é “normal” circular nas autoestradas em contramão. Até a polícia o faz. E ninguém acha estranho, ninguém se exalta e… quase não há acidentes! O único comentário que ouvi, porventura o mais negativo foi: “incredible Índia”. Tão verdadeiro! Ultrapassadas as resistências da zona do aeroporto (IGIA) e da cidade satélite de Gurgaon, parecia que íamos entrar numa fase de acalmia de trânsito. Puro engano, porque logo a seguir começámos a apanhar com o trânsito de pesados em cima.
Dentro da carrinha seguem seguramente uma dúzia de passageiros. Os excedentários viajam empoleirados como podem sobre tejadilhos e capôt. Este, veio para a fotografia porque teve sorte, viaja à larga!

O Sol mostrava-se particularmente castigador para os milhares de jornaleiros que àquela hora cegavam à mão gabelas de trigo. Os pequenos feixes de palha ficavam dispersos pelo solo enquanto as espigas seguiam para a debulha em alcofas gigantescas. Da estrada avista-se o barraquedo improvisado onde vivem estes trabalhadores. Um mar de tendas que se elevam um pouco acima do nível do solo escaldante. De aspecto tão andrajoso quanto o dos seus proprietários. Ali, onde a vida parece impossível até para os animais famintos que encontramos a vaguear, a luta é apenas por mais um dia de sobrevivência. A meio do percurso entrámos numa zona de autoestrada onde os troços em reparação se sucediam a curtos intervalos com os consequentes engarrafamentos e as habituais manobras do “salve-se quem puder” De um e outro lado da via, a paisagem tornava-se desoladora, árida e ressequida a fazer lembrar o nordeste brasileiro em período de seca. Finalmente, a tão desejada paragem para almoço e uns minutos de repouso num restaurante de berma de estrada. Não era mais do que um telheiro coberto, com meia dúzia de mesas asseadas e ambiente fresco devido ao “esforço” de dois grandes ventiladores-evaporadores de água. Ar condicionado natural! Ao menos havia bebidas frescas e comida. Após o almoço e a menos de uma hora da chegada, era já curta a distância que nos separava do sopé de uma cordilheira montanhosa que desde o meio da viagem vinha balizando o nosso horizonte. E quase de súbito, que o mesmo é dizer, sem aumento do tráfego, nem zonas industriais ou edifícios de maior porte, chegámos ao nosso destino: Pushkar.
Pushkar. Lago sagrado
Pushkar. Lago sagrado e escadaria circundante onde, ao fim da tarde, marabus e outros aldrabões aliviam os turistas em algumas rupias.
Uma rua comercial de Pushkar. Por acaso (!), aquela que dá acesso ao lago.
A aproximação aos "banhos" tem de ser feita sem os sapatitos!

Pequena cidade, (não terá mais do que cinco mil habitantes), aninhada num vale rodeado por serrania, parece dispor de água com abundância e possui alguns recursos agrícolas e pecuários. Vimos dromedários, cavalos, gado bovino e caprino.
Vacas "sagradas", alimentando-se numa montureira de lixo.

Também vimos algumas cabras, nacinais e estrangeiras.
No entanto, ficou-nos a impressão de que o motor da sua economia se encontra no turismo religioso. Aqui encontramos templos, falaram-nos em 400, representando praticamente todas as confissões religiosas da India. E a visitá-los, magotes de “ocidentais” que aqui deixam as rupias que fazem movimentar a economia da cidade. Não sei porquê mas, esta localidade traz-me à mente algumas comparações com Fátima.
Ao fundo, um templo sobre o cume de um monte.
Templo hindu, um dos muitos que podemos visitar nesta cidade.
 Com a diferença de que na nossa terra não se circula em ruas com pó a dar pelos artelhos. Nem há estrume de bovino a atapetar os passeios enquanto os ditos repousam pachorrentamente à sombra dos inúmeros botecos ou procuram um nico para comer numa das muitas montureiras de lixo que por aqui se vêm. E quando não há mesmo mais nada, observámos nós, até vai um pedaço de papel, canelado, de embrulho, com ou sem tinta … o freguês escolhe. Mais sorte parecem ter os camelos que pela trela, e com os seus homónimos humanos montados no dorso, sempre vão ganhando para a côdoa!
Na piscina do hotel.
O Luís Ferreira, meu "sócio" nesta aventura.
Isto é Pushkar! Onde alguns veem rezar, outros meter umas brocas e até vi mulheres, naturais do sítio, de charrito na boca. Aqui ninguém pode tomar bebidas alcoólicas nem comer nada que cheire a carne. E carne com cheiro (!!!), provavelmente só com dia e hora marcada e consentimento divino. Pergunto-me, que c* vim eu fazer a este cú de judas? Amanhã seguiremos para Jodhpur.
juan_jovi@sapo-pt

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