segunda-feira, 26 de outubro de 2009

45 - Quem anda à chuva, molha-se!

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Imagem da Net
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Pois é! Chegou com pezinhos de lã, dava a entender que não passaria de um ameaço. Abafei-me, abifei-me e dei um derrote no laranjal. Com o aproximar do fim de semana começou a pôr as garras de fora, principalmente ao nível da faringe. Parece que o tareco esteve a aguçar as unhas no meu gorgomilo. Recolhi a penates esperançado que o sistema imunitário daria conta do recado dado que, com a minha idade, pelo menos um primo do bandido já fez do meu canastro alojamento. E até parecia que estava a ficar melhorzinho, obrigado. Tanto assim que ontem (domingo) à tarde até fui ao Bodo das castanhas, uma festa e feira anual numa localidade próxima chamada Vermoíl. A retaliação não se fez esperar, passei a noite de levante e pela manhã estava feito num oito.
Não sei se é a dos porcos, das rolas ou dos grilos, nem me interessa, já que antes de mim, os familiares apanharam todos o mesmo cacimbo, fui o último resistente. Nesta espécie de paraquistão vou aguardar por melhores dias, o que até nem é só desvantagem. Tenciono aproveitar para dar início aos trabalhos de preparação da próxima viagem. Na verdade, o projecto já está meio alinhavado, falta entrar nos finalmente, ou seja nos aspectos mais concretos como o onde dormir, onde comer, de ônibus ou de avião etc.
Aproveito para dirigir o convite à comunidade, caso alguém me queira acompanhar, o nosso destino será o PERU. Bora lá?
juan_jovi@sapo.pt

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

44 - Shorts, bermudas, calças ou calções?

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Imagem: kimrichter.com

Foto de: oglobo.globo.com

Dicas aos viajantes.
Reporte ao post nº 9 de 28/08/2009
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Ao assistir aos telejornais de hoje, notei com pesar o relevo dado aos últimos desenvolvimentos sobre guerra civil em curso nalgumas favelas do Rio de Janeiro. Muitos mortos e, estranhamente, parece não haver feridos ou presos! Dir-se-ia que as autoridades fazem o seu papel que basicamente, consiste em limpar as favelas e infundir o sentimento de segurança à população. Qualquer pessoa, a começar pelos próprios cariocas, aplaudirá todas as medidas visando a tranquilidade das pessoas e salvaguarda dos seus bens. Neste ponto estaremos todos de acordo, por maioria de razão aqueles que já foram vítimas de assalto, sequestro, intimidação ou outra forma qualquer de crime violento, e no Brasil eles são-no com muita frequência. A questão está no modo como o fazem.
É difícil aceitar que os responsáveis políticos, militares e policiais relacionem a onda de violência com ordens de serviço emitidas por comandos que se encontram engaiolados numa prisão de alta segurança no estado do Paraná. Enquanto os (pequenos) operacionais do crime vão sendo eliminados pela tropa e pela polícia, os seus chefes parecem ter mão livre para continuar a recrutar e dirigir o narcotráfico a partir da prisão.
Não estamos a falar de marginais munidos de sofrível escupeta, faca de mato ou seringa com sangue de galinha. Trata-se de pessoal aparentemente com formação militar, apto a manusear armamento sofisticado a ponto de derrubar helicópteros, capaz de se bater, taco a taco, com a força armada do Estado. Uma organização desta natureza exige uma logística pesada. Definir a hierarquia na cadeia de comando, operacionalizar uma rede de comunicações, garantir o remuniciamento, tomar decisões quanto à disposição no terreno e estratégias de combate, não são pêra doce nem mesmo para profissionais.
Como é que tudo isto acontece à luz do dia no país mais poderoso do continente sul-americano?
A conclusão só pode ser uma; embora com algumas perdas na infantaria, os barões estão a ganhar a guerra porque o seu poder estende-se muito para além do limitado espaço das respectivas celas. Nalgum ponto têm que existir "complacências" a alto nível. Não falo em promiscuidades entre poderes porque não sou investigador, não tenho provas e como tal, não tenho o direito de apontar o dedo a ninguém. Mas que a bota não bate com a perdigota, parece-me evidente.
Além disso, o que me importa é poder continuar a viajar pelo mais belo país do Mundo, como tenho feito, de Amapá até Pelotas. Sempre na maior tranquilidade e segurança entre o mar e a montanha, da selva amazónica à selva urbana. Conheci várias favelas e tudo o que encontrei foi gente boa, trabalhadora, preocupada em encher a barriga aos filhos e mandá-los para a escola. Não me senti mais inseguro do que em alguns bairros suburbanos do nosso país onde volta e meia se desenrolam batalhas campais e os habitantes mais antigos e pacatos se vêm forçados ao confinamento do lar ou ir morar para outro local. Ao invés, os habitantes das favelas amam o seu sítio e o espírito de comunidade que tão bem sabem cultivar. Nunca fui vítima nem sequer testemunha de qualquer acto de violência. Antes pelo contrário, os brasileiros são particularmente cordiais e atenciosos para com os portugueses. Meio a brincar, já me disseram que americano, inglês, francês … é tudo gringalhada, mas “português é dá família, rapais!”.
Todos, e não apenas o Saramago, sabemos que onde existirem dois homens, há probabilidade de sangue derramado, violência física e psicológica, inveja, cobiça e consequente apropriação de bens alheios. O viajante tem que ter em conta esta herança humana de modo a saber comportar-se em meio estranho, potencialmente hostil, culturalmente diferente do seu.
Em algumas partes por onde tenho andado, verifico amiudadamente que nem sequer há o mínimo respeito pela miséria e sofrimento dos povos anfitriões. Manifestações ostensivas de riqueza perante seres humanos que esgravatam o alimento no chão ou em lixeiras, não são apenas um insulto mas também um perigoso incentivo a qualquer forma de agressão.
Quem não presenciou a petulância de certos bandos de galhardos turistas, carregados de anéis, relógios e outras jóias de elevado valor, passeando-se entre pobres e famintos como se estivessem de visita à quinta?
Ao meu amigo visitante com tarimba nas viagens, nada tenho a ensinar. Aos outros, peço licença para sugerir o seguinte:
Não ofendas os indígenas com a tua abastança. Veste-te com simplicidade, come com frugalidade. Enfia o chinelo e o calção se fores à praia, atavia-te como toda a gente para ires ao restaurante, às compras ou assistir a um espectáculo. Na rua, cumprimenta as pessoas com quem cruzas, em particular os vendedores ambulantes que se dirigirem a ti. Oferece-lhes um aceno ou um sorriso e pede "por favor" sempre que precisares de alguma informação.
Respeita as instituições e autoridades ainda que te pareça que a sua formação fica abaixo do desejável. Esforça-te por aprender algumas palavras ou frases da língua local, e se estás com alguém da tua nacionalidade, evita falar em tom agressivo ou muito alto; ninguém precisa saber que és forasteiro e assim evitarás um mau encontro na esquina seguinte. Não abuses da câmera de filmar, guarda-a no bolso e se quiseres colher imagens, repara primeiro se existe algum dístico a proibi-lo. Se fizeres close-ups de pessoas em mercados, praças ou jardins, pede-lhes autorização e não esqueças que em quase todo o mundo é proibido filmar aeroportos, edifícios governamentais tais como esquadras de polícia, quartéis da tropa e tudo aquilo cujo recato o bom senso nos diz que devemos respeitar.
Quanto às jóias, o melhor é deixá-las em casa. E, por favor, se pertences a essa tribo de gente loura, perna esbranquiçada e à vista, sandália ou sapatão nº 45, casquette de tenista e sinais exteriores de riqueza, tem cuidado. Para todos os efeitos é como se fosses portador de um pirilampo a dizer … assalta-me … assalta-me!
Respeita sempre esta máxima de ouro:
Em Roma, faz-te romano!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

43 - Tramou-se!

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Foto retirada de: tribunadonorte.com

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Não saberia dizer exactamente onde ou quando, sei que foi um texto que encontrei na Net, haverão uns meses, que me deixou a pensar.
Dizia o seu autor que acreditar em Deus é uma espécie de pulsão, algo para que estamos geneticamente condicionados, como se no genoma humano existisse um código que nos empurra para os braços de Deus.
Sou um daqueles (raros) casos que vivenciaram situações que nenhuma teoria humana que eu conheça conseguiria explicar. Por outro lado, tive oportunidade de assistir aos últimos instantes de pessoas em condições dramáticas, e nesse contexto, posso testemunhar o seu profundo, derradeiro e irreprimível apelo a Deus. Também já encontrei agnósticos e ateus militantes que no momento da aflição renegam a militância e, como toda a gente, imploram o divino. De modo que, estou seriamente inclinado a admitir a existência de Deus, não o reconhecendo contudo nos deuses inventados pelo homem, vestindo por um figurino que algumas ilustres figuras de pensadores acham completamente fora de moda.
Entre elas, encontra-se o nosso Nobel, José Saramago. Na apresentação do livro Caim, o contumaz escritor até teve o culot de afirmar que a Bíblia era um manual de maus costumes de todo desaconselhável à educação de uma criança. Na sua opinião, se não tivesse existido nós seríamos eventualmente melhores pessoas. Nesse livro estamos nós todos, os humanos, retratados através daquilo que temos de pior, obedientes a um Deus pouco recomendável.
Ocorre-me aqui um livro da minha adolescência, o “Drama de João Barois” de Martin du Gard, em que um sujeito passa a vida toda a negar a existência de Deus para, no momento em que está a bater a bota … mandar chamar um padre, confessar-se, comungar e pedir-lhe a extrema unção!
Antecipando um hipotético final como o João de Barois, lá foi dizendo que não era contra Deus mas sim contra a ideia que dele fazemos, já que um Deus vingativo e caprichoso só poderia ser uma invencionice humana, concebido à nossa própria imagem e por isso, vítima potencial de parricídio.
Dizem alguns que não se deve misturar ciência com religião. Talvez não, mas a tentação é grande. Se do ponto de vista científico nada nem ninguém conseguiu até hoje provar ou excluir a existência de Deus, com a mesma segurança podemos afirmar que muitos dos dogmas em que assentam as diversas religiões têm vindo a ser paulatinamente desmontados pela ciência. E aí reside o conflito que já motivou, por exemplo, que creacionistas e darwinistas chegassem às últimas.
Por aquilo que deu a entender, Saramago não será ateu e muito menos anti- Deus. Nisso parece estar certo já que cuidado e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, e na sua provecta idade, ser prudente é uma virtude, não vá o diabo tecê-las. O que ele parece repudiar é uma relação próxima com O representante do Deus dos cristãos, o que não deixa de ser curioso dado que o nosso Nobel está neste plano muito mais próximo de Cristo do que aparenta. Pois não foi O Emanuel que expulsou os vendilhões do templo? E que revelou aos homens do seu tempo um Deus compreensível e compreensivo de face e coração humano, preocupado com a nossa condição de mortais e pecadores?
Como fazê-lo hoje sem beliscar um establishement com vinte séculos de mentiras, erros, hipocrisia, apropriação de bens alheios, genocídios etc., etc.? Difícil, não é? Por isso, em boa verdade vos digo, o nosso Zé abanou o vespeiro e agora está feito. Nem a sua condição de grande homem das letras de Nobél ao pescoço o poderá livrar das ferroadas!
Juan_jovi@sapo.pt

domingo, 18 de outubro de 2009

42 - Caminhar faz bem!

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Macieira de Alcôba, o nosso ponto de partida.

No miradouro da Urgueira.

Os caminhantes: Juan ao centro. À sua direita o Paulo e a mulher Teresa. À esquerda, a Rosa e o marido, Vitor.

Os mesmos da foto anterior com a diferença de que a fotógrafa Rosário foi substituída pelo Vitor.

Junto ao forno colectivo de Urgueira.

Uma rosa para a Rosário ...
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No trilho das Terras de Granito, revisitando a Urgueira.

Ontem, sábado, foi dia para mais um passeio pela natureza num Outono colorido e cheio de sol que mais parece um apêndice do Verão.
Voltámos à Urgueira, uma freguesia do concelho de Águeda situada a uma cota próxima dos 600 metros de onde se avista uma paisagem magnífica de serranias, avultando a serra do Caramulo. Quase tudo quanto se vê é verde, o verde da floresta de pinheiro bravo e eucalipto, matizado aqui e além pelo ocre da folhagem das coníferas que começam a despir-se para receber o seu amado Inverno que as há-de revigorar.
Estabelecemos o ponto de partida no lugar de Macieira de Alcôba, uma freguesia do concelho de Águeda onde hoje se votou de braço no ar por ter menos de 150 habitantes.
Por caminhos atapetados com pedregulhos e carreiritos onde os pés se enterravam no manto de caruma e mato, eram 10h00 quando iniciámos a esfalfante subida que culminou no miradouro, junto ao forno colectivo da Urgueira, um local amplo e devidamente acondicionado para receber a festa anual da aldeia que se realiza no terceiro domingo do mês de Agosto.
Antes, passámos pelo Carvalho, um lugar onde tivemos oportunidade de dialogar com uma senhora idosa amparada por dois cajados, transportando um feixe de lenha à cabeça, que parecia ser a sua única habitante. No regresso revisitámos a minúscula localidade e aí tivemos a sorte de encontrar um representante do sexo masculino. Disse-nos que depois de percorrer meio mundo resolveu regressar às origens, gozando os anos que a vida tiver para lhe oferecer agarrado ao volante do seu Ferrari, um tractor Sam … qualquer coisa que o leva por montes e vales sem cansar as cansaditas pernas. Ofereceu-nos do que tinha em casa que delicadamente recusámos já que na antiga escola primária de Macieira, agora transformada em restaurante, nos aguardava o aprazado almoço.
Pela uma e meia da tarde, demos então início à sessão de cuja ordem de trabalhos constaram:
- Queijo fresco com ervas e gomos de tomate,
- Morcela regional com esparragado,
- Pataniscas de bacalhau com tiras de broa frita,
- Arroz de cabrito,
- Cabrito no forno com batata assada e legumes,
- Rojões.
Para derrotar definitivamente a crise, foi-nos servida uma queijadinha, especialidfade da casa a acompanhar o cafezito da ordem. Os condutores apreciaram a água fresca e cristalina que brota das fontes da região, enquanto as penduras até tiveram direito a um cheirinho, que me disseram ser áspero mas de origem desconhecida. Seguiu-se mais um momento de descontracção muscular e confraternização que terminou por volta das 17h30, quando os participantes, a ansiar pela próxima, iniciaram o regresso às suas residências. Se algum dos nossos visitantes se quiser juntar a nós, não faça cerimónias, a casa está ás ordens!
juan_jovi@sapo.pt

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

41 - Viagens e Segurança

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Imagem da Net.

Para os ferrenhos das grandes expedições (terrestres), o continente euro-asiático oferece tantos destinos de sonho quantos se quiserem. Nem uma vida inteira chegaria para levar a cabo uma ínfima parte dos projectos de grandes viagens que aqui se poderiam conceber. Infelizmente, o viajante tem razões para se sentir ofendido na sua liberdade de movimentos e espoliado no seu direito à cultura e à confraternização com outros povos que desde há muito se habituou a considerar como amigos. Numa boa parte deste imenso território, é-lhe negado o acesso livre e seguro a locais considerados berço da civilização que partilhamos. Certos países do próximo oriente, vastas regiões do Irão, Iraque, Afeganistão, Paquistão e norte da Índia, são alguns destinos de todo desaconselháveis, onde até o viajante mais temerário se mete nas encolhas dado que, perder a vida, pode não ser o pior dos desfechos.
E porquê? Em poucas palavras, algumas causas:
- Gula das potências industriais do ocidente por matérias primas consideradas estratégicas, em que aquela região é rica.
- Delimitação de esferas de influência, de forma tão ou mais exacerbada do que durante o período da guerra fria, entre as forças hegemónico-imperialistas.
- Interferência nos assuntos internos dos países da região por parte de serviços especializados estrangeiros, tendo como objectivo dividir para reinar.
- Erros políticos do passado, cristalizados em acordos e tratados internacionais sem qualquer sustentação, para cuja solução nunca foi encontrada a necessária abertura política.
- Desconhecimento generalizado por parte dos ocidentais acerca dos perfis religioso e sócio-cultural dos povos que aí habitam, tornando-os presa fácil de políticos manipuladores e sem escrúpulos, acolitados por comunicadores sociais ignorantes crassos.
Como resultado, temos em curso um número obsceno de guerras abertas, larvares e potenciais.
Como se sabe, os mandantes ficam á distância e são sempre os mexilhões que se lixam. Depois do 11 de Setembro e em consequência do ímpeto revanchista dos ianques e seus aliados, os mortos e estropiados contam-se pelas centenas de milhar, entre vítimas inocentes e combatentes das diversas facções.
No caso do Iraque, a coligação dos vendidos fez a bulha e escaramunha. Agora, com o rabo entalado, meteu-se em copas e recolheu a quartéis. E a carnificina continua! Onde é que pára a tal promessa de ao menos deixarem um país livre, democrático e pacífico, desenvolvido à medida das suas riquezas? Foi pelo cano, naturalmente, como a maioria das promessas vindas daquele lado.
O Jornal de Negócios de ontem, publicou um texto de João Carlos Barradas em que o jornalista se interroga acerca do que fazer com a gigantesca fraude que retirou qualquer vestígio de credibilidade às recentes eleições no Afeganistão. Estas eleições, encomendadas e telecomandadas pelo ocidente, controladas por uma comissão presidida por um canadiano e da qual fazem parte um americano, um holandês e duas marionetas afegãs, uma das quais acabou por se despedir, deviam fazer reflectir o Mundo. Porque de uma vergonha se trata para o mundo inteiro e em particular para um circo chamado Nações Unidas.
Avizinha-se um Inverno dramático para as forças da Nato e associados, naquele teatro de operações. Os últimos meses foram os mais mortíferos nesta guerra que era para durar seis meses no máximo e já leva oito anos de combates assimétricos e cada vez mais ferozes. Os comandantes militares gritam desesperadamente por reforços, que as opiniões públicas estão cada vez mais relutantes em consentir. Os responsáveis políticos, jogam tudo por tudo, gritando ao seu povo que a segurança nas ruas de Londres se joga nos vales e montanhas do Afeganistão, como ainda ontem ouvi da boca de um cretino europeu. Um trampolineiro do outro lado do Atlântico usou a mesma retórica, mas esse, ainda há-de ir à barra do tribunal responder pela morte de milhares de rapazes e raparigas do seu país, sacrificados no altar da pulhice e da mentira. O processo está em andamento.
E nós portugueses, que papel nos cabe no seio desta chafurdice? O que mandam os nossos maiores? Em que estado fica a segurança nas ruas de Lisboa ao tornar-nos cúmplices, colaborando nestas bandalheiras?
Escreve o jornalista:
[Uma companhia de comandos partirá para o Afeganistão em 2010 para integrar a "Força de Reacção Rápida" do contingente internacional e os custos da participação portuguesa, iniciada em 2002 e centrada sobretudo no treino da polícia e exército afegãos, superarão os 80 milhões de euros no final deste ano].
E termina o João Carlos Barradas com a seguinte reflexão:
Não serão só os 40 mil militares que Barack Obama possa vir a destacar como reforço do contingente dos Estados Unidos, como pede insistentemente o seu comandante no Afeganistão, o general Stanley McChrystal, que acabarão por se interrogar sobre o sentido da sua presença na Ásia Central. Também as tropas portuguesas dificilmente compreenderão o que se quer nesta guerra”.
Agora a(s) minha(s) pergunta(s):
Será que esta gentinha ainda não percebeu que está irremediavelmente derrotada? E que fugas para a frente como mandar mais tropas para o teatro de operações só servem para dilatar a extensão do desastre? E que os duros que pretendem fazer a vontade ao patrão, mantendo e reforçando até os seus contingentes no terreno, o fazem mais por cobardia do que por convicção?
Algum destes iluminados já pensou nas consequências a médio prazo de um fogo que todos os dias avança mais para além das fronteiras do Afeganistão e já chega ao Punjab e a vastas zonas no coração do Paquistão?
Dos noticiários de hoje da Net, retiro:
The Times newspaper reported on Thursday that Italy's secret services paid the Taliban "tens of thousands of dollars" to keep the Sarobi area in Afghanistan safe for its troops, but did not tell Nato allies about the deal.It accused Italy of misleading the French, who took over control of the district in mid-2008, into believing the area was safe, leaving them unprepared for the attack in which the (10) soldiers died”.
Ou seja, segundo a notícia, os serviços secretos italianos compraram aos Taliban o sossego das tropas que guarneciam um posto avançado. Não avisaram os franceses que os substituíram o que teve como consequência a morte de dez soldados gauleses num único ataque.
Mas há mais e mais grave! Notícias da Al Jazeera:
Hoje também, a sede da secreta paquistanesa em Lahore ( porventura um dos locais mais bem guardados do país), foi assaltada por quatro guerrilheiros que abateram quatro funcionários. Na mesma cidade, um ataque a uma academia de polícia deixou seis oficiais mortos, havendo ainda a referir um ataque às “Pakistani Elite Force Headquarters in Bedian” e outro a uma esquadra de polícia.
E os ataques suicidas contra edifícios públicos, incluindo hospitais e escolas, mercados, autocarros, hotéis … ? Quando é que isto vai parar? O que podemos fazer junto dos nossos governantes para ajudar a pôr um ponto final nesta chacina?
E já agora, porque será que os nossos pivots, sempre tão pressurosos a noticiar as façanhas dos rambos, parecem menos interessados em dar o devido relevo ao maior flagelo dos nossos dias?

juan_jovi@sapo.pt

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

40 - Caminhada pelo trilho da Vezeira, Montalegre

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Imagens colhidas durante mais uma caminhada por Terras de Granito. Desta vez em Vezeira, concelho de Montalegre.
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Fotografias e texto de Paulo Santiago

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Este trilho da Vezeira, situa-se nos baldios da aldeia de Fafião, concelho de Montalegre. É de grau de dificuldade elevado, não só pela distância percorrida, 20,33 km, mas também pelas diferenças de cotas, 500 m e 1265 m.
Vezeira? Uma explicação retirada de uma publicação da ADERE, associação localizada no parque Peneda-Gerês: "A vezeira consiste na junção dos rebanhos duma aldeia para serem pastoreados em terrenos comuns, baldios. É baseada no agrupamento dos proprietários de gado, seguindo regras de funcionamento desta forma comunitária, transmitidas de geração em geração. O papel principal de todos os membros da vezeira é conduzir o rebanho à vez"
O trilho está assinalado com "mariolas" pirâmides de pedras que poderão ir de três pedras até às dezenas ou centenas, sempre dispostas naquela forma geométrica. Apesar destas marcações ,não me arrisco numa marcha na serra sem um guia experiente. Desta vez foram dois amigos da Javsport que nos guiaram.
Saímos de Fafião às 9,30 horas, a uma cota de 500 m, caminhando, em plano, uns 2000 m, seguindo-se uma descida até uma cota de 300 m, percorridos 3000 m. Andados 9000 m, atinge-se a cota máxima,1265 m.
Por volta das 12,30 horas, uma rápida paragem para comer uma refeição ligeira, queijo, presunto, pão de centeio, e água...muita. Tínhamos andado 7,7 km e estávamos a uma altitude de 900 m. Esta paragem foi feita junto a um abrigo de pastor, uma construção rudimentar de grandes pedras. Após a refeição começou a parte mais penosa da subida, zonas com vegetação, outras de rocha lisa, até atingirmos os tais 1265 m, e mal imaginando o que vinha a seguir. A descida, mais ou menos 10000 m é extremamente dura, sendo os joelhos os mais sacrificados, mas passados dois dias, o ácido láctico é lixado, são os músculos das coxas a doerem.
Foi uma bela jornada, encontrei um veterano da Guiné, António Novais, Fur .Milº de Trams, esteve em Mansoa e Bissau, em 1968-69, tem 64 anos, deu-me uma"rapada", não é fácil acompanhá-lo. Pensem nisto … !
Chegámos a Fafião às 19,30 horas. Fomos jantar ao restaurante A Clínica a Santo Tirso

Fotos representando várias fases da marcha. Na 1ª , o António Novais e este escrevinhador.

Abraço, e ponham os músculos a funcionar,

P. Santiago

terça-feira, 13 de outubro de 2009

39 - Direitos dos animais

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Animais na Arca de Noé. Foto da Net.

Completar-se-ão no próximo dia 21 de Outubro seis anos sobre a data do falecimento do meu tio paterno e grande amigo Aires Junqueira. Embora a sua formação académica não tenha ido além da instrução primária, era um homem polido e sábio. Uma vida intensamente vivida, uma parte em Portugal outra em França que o acolheu no final da década de sessenta, assim como o contacto com as figuras mais ilustres do Pombal do seu tempo, conferiram-lhe a distinção de Dr. ad hoc como era tratado pela família e amigos. Dava luta na discussão de qualquer assunto, fosse ele de índole política, nacional ou internacional, económica ou desportiva. Em matéria de bom senso, coisa escassa nos nossos dias, era uma autoridade! O que sempre admirei nas suas dissertações foi o elevado nível da fundamentação que tantas vezes lhe permitiu antecipar acontecimentos decisivos para o avanço da sociedade. Quando eu o contestava contrapondo o que me pareciam evidências, ele arrumava-me com a seguinte estocada:
“Olha pá, o mundo nunca anda para trás!”
E não anda de facto, embora às vezes pareça.
Entrou hoje em vigor uma portaria que constitui mais um avanço (pequeno) quanto a garantias nos direitos dos animais. Sinto-me feliz por isso e não posso deixar de estabelecer o paralelo com outros saltos civilizacionais tão importantes como a abolição da escravatura, em que Portugal se destacou no ranking dos países abolicionistas. O alcance da portaria é ainda bastante limitado e parece aplicar-se exclusivamente ao contingente dos animais de circo. No entanto, tudo tem um princípio e este pode ser um grande primeiro passo no sentido de, num amanhã não muito distante, passarmos a considerar os animais seres com personalidade reconhecida e não apenas coisas sobre as quais temos poder absoluto. Longe vai o tempo em que na escola primária se ensinava aos meninos que os animais se dividiam em dois grupos, racionais, que englobava a espécie humana e irracionais, todos os outros. Estes, os irracionais, caracterizavam-se por não possuírem espírito ou alma, o que os colocava muito próximo dos objectos inanimados. Não tendo alma, não tinham consciência, emoções ou sentimentos e tudo o que de notável demonstrassem no campo afectivo ou emocional, mais não era do que manifestação atávica do instinto.
Níveis variáveis de inteligência, a consciência de si e dos outros, quer sejam da mesma ou de outra espécie, o sentido da morte, a dor psíquica, amor, paixão, alegria, tristeza, iritação, saudade … demonstram bem que não é só no ADN que os animais são nossos irmãos, como de resto o confirmam os imensos estudos de neurofisiologia comparada realizados nas últimas décadas.
A referência que guardo das grandes figuras da humanidade, é a sua generosidade e magnanimidade. Magnânimo é aquele que voluntariamente abdica dos seus poderes ou direitos a favor da vida, segurança e bem-estar dos que lhe estão sujeitos. Penso ser esse o espírito desta e de todas as leis que venham reforçar os direitos dos animais. Persistir na subjugação dos bichos, vivam eles livremente na selva ou sejam nossos vizinhos de arrebate, humilhando-os ao ponto de os obrigar a fazer macacadas para nosso divertimento, é, a meu ver, uma forma abjecta de nos rebaixarmos como espécie dominante. Animais imensamente mais poderosos de que nós, não nos tratariam dessa maneira. Sejamos pois dignos destes fantásticos companheiros nesta extraordinária viajem através do universo que com eles iniciámos há milhões de anos, e que pode terminar abruptamente se continuarmos a desrespeitar os nossos amigos.
Quem não se emocionou perante um acto de abnegação de um animal que sacrificou a vida para salvar o seu filho, o dono ou o filho do dono? Vamos pensar nisso!
Juan_jovi@sapo.pt

domingo, 11 de outubro de 2009

38 - Poema com muita sensualidade

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Fotografia de vírus da gripe H1N1. Imagem da Net.

O camarada e amigo Victor Tavares enviou-me o mail cujo texto reproduzo abaixo. Trata-se de uma brincadeira que circula na Net em que autor desconhecido faz passar estrofes de uma espécie de poesia ao som de uma música de sensualidade indiscutível ... pelo menos para a geração dos jovens de Maio de 1968! Tão sensual que foi banida por uns tempos da rádio e televisão da impúdica França. Refiro-me à canção interpretada por Jane Birkin, popularizada pelo filme do realizador Serge Gainsboug, Je t'aime ... moi non plus de 1976. Não podia ser mais a propósito dado que no passado dia 8 Outº teve início no CCB a 10ª edição da Festa do Cinema Francês, onde esteve presente a Jane.

Quando eu te encontrar possuir-te ei
Quando eu te encontrar levar-te-ei até à cama
Sem pedir licença, tocar-te-ei em todo o teu corpo e possuir-te-ei
Vou deixar-te com uma sensação de cansaço e entrega total
Lentamente vou fazer-te sentir arrepios, far-te-ei suar profundamente
Dexar-te-ei ofegante, tirar-te-ei o ar, a tua cabeça pulsará
Da cama não conseguirás sair
E quando eu terminar irei embora sem me despedir
Com a certeza de que hei-de voltar!

Assinado: "Gripe"

Finalmente ouvi um responsável da Ordem dos Médicos afirmar claramente que todo este circo (o circo é meu!) montado à volta da gripe H1N1, inicialmente suína, depois A, não se justifica, e que o único aspecto positivo resultante de tanto alarido consiste no facto duvidoso (a dúvida também é minha) de se terem incutido alguns princípios de higiene aos porcalhões dos portugueses. Boa bola!
Há muito que circulava no meio médico a noção de que em grande medida, o espectáculo encenado era uma reposta à pressão dos comunicadores sociais sempre ávidos por notícias impactantes. É evidente que a culpa não é (só) deles, mas dos profissionais de saúde em primeiro lugar, a começar por aqueles que colaboram com a OMS, pela forma inábil como transmitem as suas preocupações ao grande público. Quem não se lembra do cagaçal que os mesmos fizeram a propósito da gripe das aves? O que importa reter é que esta é uma doença de elevada benignidade, com morbilidade e mortalidade muito mais baixas do que a chamada gripe sazonal e um quadro clínico marcado por sintomas relativamente aligeirados.
Repare-se na idiotia de um processo que no início envolvia meios próprios da guerra química ou bacteriológica, acabando por cair no mais corriqueiro dos procedimentos com tratamento no domicílio à base de caldos de galinha e chá de limão. Ou melhor ainda, no clássico abafa-te, abifa-te e avinha-te! Entretanto, do nosso bolso já saíram sessenta e sete milhões e meio e ainda a procissão vai no adro, fala-se em quinhentos milhões quando chegarmos ao lavar dos cestos. Entra, Pacheco!
O pior é que o arame vai todo para aquele lado e já não me custa nadinha a acreditar na teoria conspirativa que circula na Net que garante ser esta mais uma operação de marketing montada pelo Rumsfeld & associates!

O que é um vírus?

Um vírus é uma partícula viva. É um micróbio muito mais pequeno e simples na sua organização estrutural do que as bactérias, e só pode ser visualizado através do microscópio electrónico. Na sua configuração básica, apresenta-se como uma cápsula ou capsídeo, de forma geralmente icosaédrica ou helicoidal, constituído por pequenos tijolos ou sub-unidades proteicas, contendo no seu interior um núcleo (genoma), que pode ser o ADN ou ARN.
ADN= Ácido desoxirribonucleico.
ARM= Ácido ribonucleico.
Revestindo a unidade núcleo-capsídica, alguns vírus possuem um invólucro no qual blocos proteicos específicos do próprio vírus aglutinam lípidos (gorduras) e glícidos (açúcares), provenientes da célula parasitada. São estas proteínas específicas do vírus associadas aos glícidos – glicoproteínas – em conjugação com determinadas características físico-químicas e biológicas que lhes conferem a sua identidade patogénica e sustentam a classificação taxonómica. O genoma viral é uma espécie de base de dados onde se encontram os códigos necessários à síntese das enzimas e proteínas que entram no processo de replicação viral, através do qual o vírus reproduz o seu próprio genoma e as proteínas estruturais.
Como é que isto se faz? De uma forma muito simples! Através do ARNm (m=mensageiro), os códigos são transmitidos à maquinaria da célula do hospedeiro que em lugar de fabricar os materiais de que necessita para o seu próprio funcionamento, inicia a produção e montagem dos blocos proteicos de que são feitos os vírus. Quando fica cheia, a membrana celular rebenta libertando os invasores na corrente sanguínea que se lançam ao ataque de novas células ainda intactas.
Este processo passa por uma fase de replicação primária (incubação) no interior de células hospedeiras e só depois atinge as grandes populações celulares dos órgãos-alvo, localmente ou à distância, dando origem à fase clínica da infecção.
A entrada do vírus no organismo do hospedeiro pode ocorrer por diversas vias, sendo as mais comuns:
1 - A via respiratória, pela inalação de gotículas tipo aerosol contendo fluidos infectados como por exemplo, secreções brônquicas, nasais ou saliva.
2 - Via digestiva, na qual o inóculo viral entra em contacto com a mucosa gastrointestinal através do contacto inter-pessoal directo ou pela ingestão de alimentos contaminados.
3 - Via cutânea, por meio da picada de insecto, mordedura de animal ou utilização de agulhas hipodérmicas. O agente infectante também pode ser inoculado directamente na corrente sanguínea por hematófagos (mosquitos, carraças).
4 - Via génito-urinária (venérea) em que a transmissão se faz através do contacto sexual.
5 - Via iatrogénica, pela utilização de instrumentos deficientemente esterilizados ou perfusão IV de produtos biológicos não controlados.
Entrar em contacto por qualquer destas vias com uma estirpe viral de elevada contagiosidade, não determina evolução automática para a infecção e doença. O organismo dos indivíduos saudáveis possui um notável arsenal defensivo que inclui entre certos mecanismos mais complexos, a imunidade conferida por anticorpos específicos circulantes, resultantes de exposição anterior a determinado agente (vírus) ou vacinação, e a imunidade celular que confere aos linfócitos e outros elementos da linha branca do sangue, a capacidade de reconhecer e destruir as células infectadas. Sabe-se também que o estado nutricional e o nível de stress desempenham um papel importante na homeostase (equilíbrio) do sistema imunitário, determinando em grande medida a susceptibilidade do indivíduo às infecções.

Juan

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

37 - Hospitalidade

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Mapa: Retirado da Net.

Sion, Nôtre Dame. Foto: mardecortesbaja.com

O amigo e regular visitante Santos Oliveira, enviou-me um pps com belas imagens de um lindíssimo país, a Suiça.
Algumas evocavam memórias pessoais de anteriores visitas e serviram de pretexto para a narrativa que se segue.

De uma maneira geral, quando lemos qualquer coisa sobre outros países e culturas, lá vem a sacrossanta frase garantindo que se trata de “um povo muito hospitaleiro”. Afirmação ilustrada com relatos que demonstram essa hospitalidade como oferta de presentes que chega a ser a própria mulher (??) ou artigos simbólicos como colares, grinaldas de flores ou peças de artesanato. E festas, muitas festas em honra dos forasteiros com representações de pseudo rituais de cariz religioso ou profano e muito folclore à mistura.
Creio que em muitos casos estas manifestações de hospitalidade podem ser genuínas. Porém, em muitos outros, atrevo-me a dizer, na maioria, não passam de bem montadas operações de marketing ou simples truques comerciais destinados a cativar o visitante, sacar-lhe uma porção dos seus euros ou dólares e transformá-lo num promotor gracioso de determinado paraíso turístico.
Infelizmente, não existe nenhum aparelho ou unidade de medida que nos permita aferir da hospitalidade de um povo ou comunidade.
Empiricamente falando, o caso muda de figura quando presenciamos gestos que pelo seu desinteresse e espontaneidade, nos fazem sentir credores de uma amizade inesperada.
A avaliar por aquilo que julgo ser consensual tanto para os indígenas como para os estrangeiros, o portuga é um indivíduo genuinamente hospitaleiro. Talvez porque desde há séculos nos habituámos a correr o mundo com a da mãe às costas, prezamos tanto o mandamento de ouro que diz: Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem.
Há uns três para quatro anos, numa belíssima tarde ensolarada de primavera, encontrava-me em Génova a caminho da Sicília, quando a coisa bateu forte. Tinha que visitar um grande amigo e camarada de armas, o José Manuel Quintas que vivia e vive um pouco mais acima, na localidade de Conthey, perto de Sion na Suiça, onde é proprietário de um distintíssimo restaurante. Quando a pancada bate assim, não há nada a fazer senão seguir o impulso e … pés ao caminho. Cheguei a Turim ainda com sol e tempo para dar uma volta à cidade e pernoitar. Na manhã seguinte, retomei o rumo direito ao colo do Grande S. Bernardo cujo túnel atravessei acabando por desembocar perto da localidade de Martigny, onde se desenrolou a curtíssima história que passo a contar.
Eram cerca das onze da manhã de uma quinta-feira de Ascensão, dia da espiga em Portugal. Desconheço os antecedentes históricos, sei apenas que os suíços comemoravam aquela data com um feriado nacional. Pois bem, o meu primeiro objectivo ao chegar a Martigny foi contactar o Quintas para reservar mesa! Dirigi-me a um caixa automático onde levantei uma porrada de francos e com as notas no bolso, procurei a estação de correios para fazer o telefonema já que o meu Tm não tinha rede. Como era feriado, bati com o nariz na porta, os correios estavam encerrados. Pensei em adquirir o cartão pré pago, mas quiosques ou papelarias, estavam igualmente fechados. Como último recurso, entrei num bar, bem afreguesado àquela hora, e esperei que a proprietária me pudesse dar uns segundos de atenção. Expliquei-lhe no meu francês domingueiro por que precisava de fazer a chamada (local), que estava disposto a pagar o que quisesse cobrar-me e para que não tivesse dúvidas, mostrei-lhe o macete dos francos. A resposta foi do mais seco, deselegante, direi mesmo xenofóbico, que se possa imaginar: Nãão!
A senhora poderia estar num daqueles dias, pensei eu. Saí sorumbático, mas logo encontrei um estabelecimento idêntico que se encontrava a uns cinquenta metros, rua abaixo. A cena foi em tudo parecida, só a resposta foi a mesma: Nãão!
Eu nem queria acreditar no que me estava a acontecer. Para mais, num país que se julga dos mais civilizados do mundo! Então nós, portugas da costa, se topamos um gringo qualquer em apuros somos capazes de lhe oferecer o telefone, a casa, o almoço e até o ajudamos a empurrar o carro se for preciso … algo devia estar errado! Para tirar as dúvidas, parei numas bombas à saída da Vila. Depois de abastecer (self), perguntei ao empregado que se encontrava sentado num sofá com os pés em cima de uma mesa, se podia fazer a tal chamadita. Nem vos digo qual foi a resposta do bacano para não ferir os vossos sentimentos patrióticos!
De maneira que, um dos meus mais ardentes desejos é encontrar um cidadão suíço em dificuldades para o poder ajudar no que precise e depois contar-lhe esta história. Mostrar-lhe que não sou dado a generalizações, mas que há sem dúvida diferenças entre os uns e os outros.
Já agora …
Como se sabe, encontram-se milhares e milhares de portugueses e portuguesas a trabalhar na Suiça. Ao que parece, são estimados e gozam da consideração tanto do patronato como da vizinhança. Porque será que não há casamentos mistos como acontece na França, Alemanha, Luxemburgo …?
A terminar, esta viagem ficou concluída um mês e meio depois, após passar pelo norte da Escandinávia. Continuo a querer visitar a Sicília!

Juan

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

36 - O buraco do ozono

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Fotografia de um sinal com o aspecto característico do melanoma cutâneo.

O Paulo Santiago vela pela nossa saúde. Exerce as funções de agente sanitário na área das carnes verdes, ou mais simplesmente, inspecciona as carcaças dos animais abatidos procurando indícios de patologias que tornem essas carnes impróprias para consumo humano.
Há dias, em sua casa, enquanto nos deliciávamos com um belo leitãozinho assado, pedi-lhe que nos explicasse em que é que consistia o seu trabalho, quais os métodos inspectivos que utilizava, as doenças mais frequentes detectadas e, no caso das rejeições, como e onde eram destruídas as carcaças. O Paulo lá foi correspondendo pacientemente à nossa curiosidade de maneira que ninguém ficasse com dúvidas relativamente à segurança da chicha que hoje em dia se manduca no nosso país. Mas…

Eis o teor do mail que me enviou no dia seguinte:

“…Ontem, na conversa sobre inspecção sanitária, esqueci-me de uma doença,
ultimamente muito frequente, o melanoma, que dá origem à rejeição total da carcaça. Estes melanomas são mais frequentes em leitões oriundos de explorações situadas no Alentejo ou em Espanha, onde são criados ao ar livre. Hoje, e por isso me lembrei da conversa, apareceram-me na linha dois porcos adultos de raça ibérica, o vulgar porco preto apresentando um ou vários sinais, de cor negra, rugosos. Raspando com a faca libertam um pigmento negro, e os gânglios inguinais ou sub-maxilares, quando cortados, também apresentam pigmentação negra.
Todas as semanas são eliminadas várias carcaças de leitões, o que não acontecia em anos anteriores, quando a grande maioria dos animais provinha de suiniculturas de circuito fechado.
Não há protector solar para os porcos…!”

Viajar, implica muitas vezes expormo-nos ao sol inclemente como acontece em certas regiões dos trópicos. Mesmo em climas temperados como aquele que impera na maior parte do território europeu, quem não abusou já de doses massivas de raios solares, numa ida à praia ou até na própria varanda do prédio onde reside?
De facto, todos temos consciência que este é um comportamento de alto risco para a saúde e ninguém pode alegar ignorância já que as campanhas de sensibilização para os perigos da exposição solar excessiva têm sido mais do que muitas.
Certamente, o meu caro visitante já ouviu falar no melanoma maligno ou cancro da pele. Trata-se de uma doença muitas vezes letal se não for diagnosticada no estadio inicial do seu desenvolvimento. Entre nós a sua incidência é de cerca de 700 (novos) casos /ano.
Pode aparecer numa zona de pele até então sã, sendo mais frequente o caso de um sinal preexistente que em dado momento degenera. Estes sinais, raros nos indivíduos de raça negra, podem ser mais ou menos planos ou nodulares, variando a sua cor entre o rosa e o castanho-escuro. O que chama a atenção e deve ser considerado toque a rebate, é o seu crescimento brusco, assim como a alteração da cor e morfologia dos bordos que se tornam proeminentes e irregulares, a rugosidade e o aparecimento de grumos negros no seu interior, cursando geralmente com desconforto, prurido (comichão) ou dor. Trata-se portanto de um tumor da pele com origem na multiplicação descontrolada de células localizadas sob a epiderme chamadas melanócitos. Estas células produzem uma substância escura chamada melanina, responsável pela coloração natural da pele e que funciona como escudo protector, absorvendo os raios ultravioletas da luz solar. Quando nos expomos ao sol com o intuito de obter aquele bronze de fazer inveja aos amigos, o que estamos a fazer é excitar os melanócitos para que produzam mais melanina que ao disseminar-se na camada superficial da epiderme, lhe confere um tom mais escuro. Porém, se essa estimulação for excessiva, sobretudo com os raios UV mais penetrantes, incidindo perpendicularmente sobre a pele nas horas do meio do dia, o resultado pode ser o desastre, pois podem surgir mutações no ADN dos melanócitos conferindo-lhes características oncológicas. Surgem então ninhos de células com grandes núcleos e elevada taxa de mitoses e a partir daí, nada trava a sua multiplicação se o diagnóstico e tratamento não forem instituídos oportunamente. A disseminação loco-regional é rápida e as correntes sanguínea e linfática não tardam em ser atingidas. As células malignas que não forem captadas e destruídas pelas defesas linfáticas (gânglios), podem colonizar o fígado, os pulmões ou o cérebro, dando origem às chamadas metástases do tumor primário localizado na pele.
Do que atrás foi dito, duas coisas não podemos concluir:
1ª - Banhos de sol fazem mal.
Não é verdade, a luz solar tem efeitos benéficos sobre o nosso psiquismo, promove a remissão de certas doenças como por ex. a psoríase e cataliza a síntese de vitamina D pela pele.
O que é imperativo é que cada um use a protecção adequada ao seu tipo de pele e evite a exposição quando o sol está a pique. Solários, nunca!
2ª - Quem tiver um sinal feio, está condenado.
Nada mais longe da verdade, também. Sinais de aspecto preocupante podem não representar qualquer perigo para a saúde ou a vida. E mesmo quando temos um diagnóstico seguro de melanoma, a cirurgia atempada coadjuvada por outras terapêuticas cada vez mais avançadas, permite erradicar completamente o problema.
O que é preciso é estar atento a qualquer sinal que apareça de novo com características suspeitas e vigiar lesões pré existentes, procurando alterações como as anteriormente descritas. E sempre, mas sempre, em todo e qualquer caso, pedir ao médico de família que observe!
A terminar, quero deixar uma nota à observação do Paulo quando diz que não há protector solar para os porcos. Meu caro, os animais quando crescem em liberdade na Natureza, sabem como prevenir certas doenças. Os filmes da BBC vida selvagem, National Geographic e outros, mostram-nos como os bichos bravios procuram as sombras nas horas de maior calor. Além disso, os de pele quase glabra como os porcos, chafurdam nos charcos de modo a cobrirem o corpo com o seu protector preferido, a lama.
Infelizmente, os humanos já causaram demasiados danos ao ambiente e ainda que neste momento se arrepiasse caminho, seria necessário o tempo de várias gerações para a sua recuperação.
Um dos estragos mais bem estudados é o do já famoso buraco do ozono. O ozono é um gás existente na estratosfera, muito rarefeito e instável, constituído por três átomos de oxigénio (O3). A radiação UV, ao quebrar as ligações do oxigénio molecular (O2), liberta dois átomos cada um dos quais vai por sua vez colidir com uma molécula de O2 dando origem ao oxigénio triatómico. Deve-se a este gás a existência de vida na Terra, pois actua como um filtro dos UV que fazem parte do espectro solar. Se atravessasse livremente a nossa atmosfera, essa radiação esterilizaria a superfície do planeta.
Mas a produção industrial do séc. XX usou e abusou de compostos como os CFC’s, mas também do cloro gasoso e do bromo que interferem com o ciclo do O2 «--» O3 criando zonas sem protecção ou buracos, sendo um dos mais importantes o que se situa sobre a Austrália.
A nossa situação não é tão grave, mas é-o o suficiente para que alguns dos leitões do Paulo, criados ao ar livre, vão para o lixo. O que é uma grande pena, sem dúvida!

Juan

terça-feira, 6 de outubro de 2009

35 - Iniciativas, precisam-se!

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A meio da caminhada, o Paulo reabastece com uma tosta barada com mel.

As barraquinhas do reforço, simpatia da Autarquia.

Uns, atravessaram o rio de bicicleta à mão ...

Outros, a vau ...

Muitos, no barquito pneumático ...

A maioria, atravessou a ponte que não chegava para todos!

Logo à partida, cambando uma ribeira.

O "nosso grupo". Falta o José Armando que está a fotografar.

Os quatro magníficos: Paulo, Juan, J. Armando e o pirata Vitor.


Ontem, feriado do 5 de Outubro, foi também dia para sair da concha e fazer uma caminhada. A convite do Paulo Santiago de Forcada, Aguada de Cima, fomos até Águeda para mais um salutar passeio pela Natureza. Na Praça 1º de Maio, localizada no centro urbano, concentraram-se 324 entusiastas desta forma de lazer que por volta das 10h15 inauguraram um novo trilho, este designado como trilho do Águeda. A maior parte do percurso situa-se na freguesia de Borralha, com cerca de 2,5 km para montante, ao longo da margem direita do rio Águeda. Seguiu-se uma travessia a vau, por barco pneumático ou através de uma ponte pencil e um percurso idêntico de regresso à cidade, admirando agora beleza e quietude da margem esquerda. O rio, um dos de menor extensão do país, truculento e caprichoso no Inverno, nasce na Serra do Caramulo e desagua no Vouga, no lugar de Requeixo, concelho de Aveiro.
À chegada, surpresa para os que desconheciam, a simpática Câmara ofereceu o almoço aos participantes. Não posso fornecer a descrição da ementa já que declinei este convite para honrar outro em casa do Paulo, onde se prestou homenagem a um delicioso leitão à Bairrada, cuja anatomia nada tinha a ver com a do animal da história do post anterior. Sem esquecer uma entrada de jaquinzinhos que eu já não degustava há anos e um pudim de leite de lamber os beiços, obra da Teresa, mulher do Paulo. Neste almoço, para além do pessoal da casa constituído pelo casal Santiago, a filha Maria Luís e namorado, estiveram presentes dois velhos camaradas de outras guerras, o Vitor Tavares e o José Armando e respectivas mulheres. Foi de resto o Vitor que com o desenrascanso próprio do antigo guerreiro, tratou de arranjar alternativas e ajudou a orientar os participantes na travessia do rio numa zona de brejo, quando se constatou que a ponte não chegava para todos.
São iniciativas como esta que marcam pontos, não para colher votos em campanhas eleitorais, mas no coração dos munícipes e visitantes, que agradecem o excelente pretexto para o convívio que vai rareando cada vez mais no nosso quotidiano. A todos, o Juan, Rui Pedro, Cinda, Inês e Carolina agradecem e prometem estar presentes quando houver mais.
Aos visitantes do Blog deixo o concelho: experimentem, o primeiro passo é começar, depois apanham-lhe o jeito e o gosto e nunca mais param.
Juan

domingo, 4 de outubro de 2009

34 - Estava de gritos!

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Cozinha exótica

Disseram-me que o Marques faleceu. Mal o conhecia, mesmo assim foi com pesar que recebi a notícia. Quem ma deu não soube precisar a data do falecimento, terá ocorrido há cerca de três anos. O senhor Marques era beirão, tinha família na região da Guarda, um filho segundo me contaram, mas desde a partida para S. Tomé na década de cinquenta, quase não tinha contacto com o país nem com a parentela. Exilara-se e pronto. Quando o visitei como seu cliente na cidade de S. Tomé, ia ele nos setenta e tais, ouvi-o repetir uma espécie de cartilha que declamava entre gracejos sem sentido e por certo, mágoas escondidas. Dizia ter chegado àquela antiga colónia portuguesa no dia não sei quantos de Abril de 1955 para aí cumprir serviço militar. Depois, atraído pela beleza da Ilha e pela doçura das catorzinhas, foi ficando … ficando … até se esquecer completamente que era português e um dos raros brancos a quedar-se por aquelas paragens após a independência da colónia.
Também não recordo exactamente em que ano, nem acho que isso seja importante, surgiu o convite para uma viagem a S. Tomé. O Henrique Vilhena, distinto ortopedista, colega e amigo de há muitos anos, encontrava-se em S.Tomé ao abrigo de um programa de cooperação na área da saúde. Como já tinha perto de dois anos de estadia, achou que podia ser o nosso cicerone e daí o convite a alguns amigos, oito à partida de Lisboa, nove com ele, a lotação completa de um jipão no qual percorremos estradas e caminhos daquele belo país.
Ficámos alojados no hotel Baía de onde partíamos todas as manhãs para um pesado programa de visitas, regressando à capital para almoço. É aí que entra o senhor Marques, proprietário e gerente da maior xungaria onde pus os pés até ao dia de hoje.
Num canto de um autêntico armazém de ferro velho, onde obsoletas peças de automóvel, algumas de modelos há muito desaparecidos de circulação, emparelhavam em carunchosas prateleiras com pacotes de arroz e garrafas de óleo alimentar, havia duas mesas corridas cobertas por oleados mais sebosos do que as botas de um cardador, onde servia os clientes do seu prestigiado restaurante.
A ementa não variava muito, andava sempre à volta do chicharro frito com salada de tomate ou um arrozeco malandro a saber a carochas. Mas o que era curioso, é que o peixe daquelas latitudes parecia ter várias cabeças, tão raramente nos caía uma posta no prato. Deliberou-se então passar logo de manhã pelo tasco do Marques e deixar-lhe um adiantamento e a recomendação para que fosse à praça comprar algum do excelente peixe que se cria naquelas águas. Mas a coisa não resultou, a única mudança foi a do nome do nadante e a avaliar pela composição da travessa, íamos de mal a pior. Até que alguém se lembrou de tramar o velho, e num determinado dia, juntamente com o habitual adiantamento recebeu a recomendação expressa para comprar frangos para uma cafriela, pois o pessoal estava saturado de peixe. Chegada a hora do almoço, toda a gente sentada e a salivar com o cheirinho que vinha do barraco nas traseiras que servia de cozinha onde uma avantajada africana exercitava os seus dotes, aparece o Marques todo pesaroso com a informação que nessa manhã não tinha aparecido um único galináceo à venda no mercado da cidade! Mas, “como os senhores já devem estar cansados do peixito, resolvi arranjar um leitãozinho à Bairrada que está de gritos”.
Vem o leitão para a mesa e num abrir e fechar de olhos, o pessoal esfarrapa o petisco sem sequer se interrogar porque é que, ao contrário do peixe, o leitão de S. Tomé … não tinha cabeça! Ao meu prato foi ter uma aba de costelinhas que experimentei sem grande entusiasmo. O sabor não era mau, sabia a alho e pimenta, mas também não era o agradável sabor do leitão a que as minhas papilas se habituaram desde criança, já que cresci numa região onde se assa um leitão com a mesma facilidade com que se faz um frango de churrasco. Mas aquelas costelinhas, que estranho … em vez de espalmaditas como as dos bácoros nacionais, eram arredondadas como um lápis de madeira!?
Bem, quem comeu, comeu, quem não gostou não se coibiu de atazanar os companheiros com a probabilidade de terem comido macaco.
No dia seguinte, mais ou menos à mesma hora e no mesmo local, estando o meu grupo de regresso às cabeças de chicharro, entram dois engravatados cavalheiros tipo caixeiro viajante, que interrogam o Marques acerca das prescrições do cardápio.
- Olhem, se os senhores quiserem, posso-lhes servir peixe frito com arroz e salada como estes senhores estão a comer. O peixinho está bom ou não está, ó dr. Vilhena?
- Não está mal ó Marques. Olha, já que vais fritar mais, aproveita e vê lá se nos trazes um reforço.
O Marques fez-se desentendido em relação à proposta do Vilhena e percebendo que os recém chegados clientes conferenciavam sem chegar a acordo quanto ao chicharro, adianta:
- Mas se os senhores quiserem também lhes posso servir coelho!
- Coelho … como?
- À caçador, responde o finório.
- Seja então, vamos no coelho.
Com o pretexto de que ia transmitir o pedido à cozinheira, o Marques desapareceu por detrás de uma cortina que subtraía aos olhares curiosos dos clientes o que se passava na cozinha e no pátio anexo. Ouviu-se vozear em surdina, ruídos de remexer ou arrastar e de súbito, caim … caim … caim, um choro pungente e abafado, cada vez mais débil até que se extinguiu.
Estávamos de saída quando os nossos companheiros da mesa ao lado, depois de se banquetearem com o pão e azeitonas das entradas se atiravam aos fumegantes pedaços de coelho, que nas palavras do Marques estaria também de gritos!

PS: Dizem as más línguas que o melhor peixe ou carne que entrava no restaurante do Marques, ia direitinho para a barriga de duas catorzinhas de quem ele se ocupava na altura da nossa viagem. Nunca vi as raparigas, mas garantiram-me que viviam no primeiro andar, por cima do estabelecimento.
Contaram-nos mais tarde que o homem, useiro e vezeiro nestas maroscas, esteve condenado a apodrecer na prisão por ter servido béu-béu ao presidente Miguel Trovoada. Salvou-o o Bispo, que o foi buscar ao fim de três dias de calabouço. Até agora, não pude confirmar o relato.
Numa reportagem televisiva, tive oportunidade de ver o senhor Marques de visita à sua terra, integrado numa comitiva que viajou com o patrocínio da Secretaria de Estado das Comunidades.

Juan

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

33 - Viajar em seviço

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Foto: Lisboa, zona portuária.

Um testemunho
Entre as profissões mais desgastantes tanto a nível físico como psicológico, estão aquelas que obrigam a frequentes deslocações, por vezes entre continentes. Existem imensos estudos que demonstram a influência muito perniciosa para a saude resultante do jet lag, que consiste na transposição de vários fusos horários no lapspo de apenas algumas horas. Qualquer um de nós que tenha passado pela experiência de uma semanita de férias num país da América do Sul, por exemplo, conhece bem a neura dos dias da chegada, depois de uma noite mal dormida e dos sonos trocados. Mas aquilo de que poucos se darão conta, é dos danos que o exercício destas profissões provocam a nível das relações familiares. Relatos como o que se segue, ouvi-os inúmeras vezes da boca de colegas de trabalho com muitos anos de mar. Invariavelmente, detectei uma mágoa oculta, profunda, por não terem podido dedicar mais tempo aos filhos e sobretudo, por não terem usufruido mais da companhia dos garotos quando eram pequenos, agravada pelo sentimento de se sentirem estranhos na sua própria casa. Se em muitos casos a cicatrização não deixa sequelas, outros há em que os estragos se tornam irreparáveis, levando à total desagregação familiar.

Eis o texto do e-mail do amigo Santos Oliveira:

JUAN

Sei (decerto sei, apenas porque estou convencido de tal) como está o teu sentir.
Ontem não havia Postado nenhum Comentário, porque me passou o filme todo pela mente e o que poderia ter dito nem sequer poderia (por razões de ética), expressar o mínimo do que acabei por dizer (lê, escrever).
Do empurrãozito, não te livraste, nem te livrarás. Eu disse que estou aqui e vou manter tal afirmação e postura.
Queres (conseguirás???) entender o que é o tipo de trabalho do tipo do que eu tive (que gostava e gosto) em que dedicava umas boas 12 a 14 horas por dia, mesmo sabendo que jamais teria uma compensação material adicional, privando com Dirigentes da Empresa, em sítios diversos, estudando modos e métodos, planeando estratégias e nunca sair para conhecer os lugares onde estava? Nem sequer havia disposição para tal, Amigo.
Aeroporto, Hotel, Trabalho, Banho, Dormir (pouco), Trabalho mais Trabalho, Estratégias e Conclusões, Aeroporto, Casa, Família... tudo de enfiada?
Que achas que tenho para narrar? Que estava cansado? Que tinha sono?
Agora, tenho pena das noitadas que não fiz mas sentia-me arrasado física e psicologicamente, até pelo "chamamento" da família lá por casa.
Aconteceu, tinha a minha filha uns doze anos, que, num sábado, por mero acaso almoçando em família, ela se voltou para a minha mulher e disse textualmente:
"Mamã. Hás-de dizer-me quem é este senhor que vem cá comer, de vez em quando, e parece morar aqui connosco?".
Foi a maior (única)"pancada" que a minha Filha me deu. Doeu. Doeu muito, podes crer.
Mas acho que o teu Amigo aprendeu a não ver a Filha apenas a dormir.
Na verdade chegava com ela a repousar e saía antes de ela acordar. Depois disso, penso não haver acontecido nada de semelhante, pelo menos comigo por cá em Portugal, com as excepções de um a dois dias de longe a longe.
De violências destas para uma criança, chegou.
Hoje, ela ri-se, mas acrescenta que foi o que sentiu naquela altura.
Mas tenho imensas alegrias com o que consegui criar e com o que daí descendeu. Tenho uma Filha exemplar e dois Netos de sonho, apenas um tanto longe...
Não é por falta disso que o coração fraqueja de tempos a tempos.
São mais as emoções, as frustrações por que se passa, as descobertas de falsos caracteres, os sofrimentos que sinto nos outros e que sou impotente para remediar, etc.

Hei! Onde já vou!...

Recebe o maior abraço do Mundo, do
Santos Oliveira