sábado, 18 de maio de 2013

111 - Sófia, a despedida.

Últimas horas!
Esta manhã, com um tempo que continua magnífico, fiz um agradabilíssimo passeio a pé até à estação de C.F.  Fui fazer a reserva da minha couchette para o comboio que parte logo à noite (20.30) para Belgrado. Nunca gostei de comboios nocturnos, mas é o que há. Sei que há quem prefira, não perde tempo útil e poupa uma noite de hotel. Eu encontro os seguintes contras: 1º, não podemos apreciar a paisagem que é um dos pontos fortes da trip. 2º, apanham-se brutais secas enquanto se aguarda a hora da partida. 3º, chegamos ao destino todos feitos num oito. Apodera-se de nós um nervoso miudinho e acabamos por não descansar nada, o que se traduz na mistura explosiva de cansaço/irritação. Dentro dos meus princípios está a máxima “o graveto só serve para uma coisa; para se gastar”. Devagarinho e com muita prudência, com certeza! Por isso, e mediante um pagamento extra, mantenho a soberania sobre os meus aposentos até praticamente a hora de abalar. Dá para almoçar bem e em cima, rebater com uma bela sesta! Antes de deixar a estação, tive de tomar as cautelas do costume. Fiz o reconhecimento geral do espaço, percorri o acesso até à plataforma de onde há-de partir o meu comboio, calculei o tempo necessário até lá, confirmei horários de partida nos monitores e a hora de chegada. Com tantos cuidados ainda me falta saber como é que fiquei apeado em Stara Zagora. E continuo a jurar que não fumei nem bebi senão água!
A estação de Sófia já teve dias melhores, seguramente. Deve ter sido faustosa como todas as obras representativas de l’ancien régime. Hoje o seu átrio e as escadas rolantes até ao túnel inferior que conduz às plataformas, podem ser classificados como sofríveis. Depois … é o cheiro a urina por tudo quanto é canto, degraus partidos ou arrancados, prados a crescerem entre as linhas … uma lástima. Num grande e bom supermercado da cadeia Billa (ou será billa que quer dizer supermercado em búlgaro?) a funcionar na estação, abasteci-me de água e fruta para a viagem. Regressei perto da hora de almoço sob as picadas de um sol igual ao do nosso verão. Numa passagem inferior, quando eu hesitava por qual das vias de saída tomar para me dirigir ao hotel, um senhor idoso, baixinho, de mitra na cabeça e óculos com grossas lentes aproximou-se perguntando através de mímica para onde é que eu pretendia ir. Para o centro, respondi. Quis saber se eu falava alguma destas línguas: Francês, italiano, português. Em português, questionei-o:
- Então, diga-me, onde aprendeu a falar português?
- Foi em Moçambique, respondeu, revelando um conhecimento da língua perfeitamente funcional.

- E esteve lá muito tempo?

- Sim, mas já regressei há vinte e quatro anos.

- E o que é que fazia lá?

- Eu sou engenheiro mecânico. Tomava conta das máquinas de uma indústria de mobiliário. Tive muito contacto com um senhor português chamado Silvestre que ia lá fazer negócios.

- E porque não vai até Portugal ver se o encontra? Quem sabe, até poderia voltar a Moçambique?

Com uma expressão de desalento encolheu os ombros e retorquiu:

- Pois é, mas as viagens são muito caras.

- Nem tanto, hoje em dia encontram-se viagens baratas.

- Ah … e quanto é que custa o hotel?

- Mais ou menos o mesmo que aqui, é conforme o hotel. Procure na Net …

- Sabe eu tenho 71 anos e estou quase cego, sofro de uma doença chamada cório-retinite bilateral. Está num estado muito avançado e isso mexe com a minha cabeça. Nervos … Além disso estou a ajudar dois filhos e dois netos. A filha ainda não tem crianças … Mas olhe já fiquei muito feliz por ter encontrado alguém com quem falar português que já deve estar bastante “enferrujado”. A gente não pratica durante muito tempo e vai esquecendo … eu já tinha saudades!

- Não senhor, está perfeito!

Os seus olhos baços brilharam  por um instante. Despedimo-nos à porta do hotel com um abraço.

- O meu nome é Angel … Ângelo, e o seu qual é ?

2 comentários:

  1. Meu caro Vitor, de vez em quando e conforme prometi, faço umas visitas a este teu Blog para saber das novidades. Confesso que sinto alguma inveja por não ter a tua coragem, o que se traduz por perder as peripécias que vais experienciando e que serão, inquestionavelmente, enriquecedoras do teu património cultural. Desejo-te continuação de boa viagem e continuo a "espreitar" as excelentes descrições, a que consegues imprimir um irreprensível realismo. Uma abraço.

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  2. Queria dizer "irrepreensível". Por opção pessoal, ainda não aderi ao novo acordo ortográfico!

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