Últimas horas!
- E esteve lá muito tempo?
- Sim, mas já regressei há vinte e quatro anos.
- E o que é que fazia lá?
- Eu sou engenheiro mecânico. Tomava conta das máquinas de uma indústria de mobiliário. Tive muito contacto com um senhor português chamado Silvestre que ia lá fazer negócios.
- E porque não vai até Portugal ver se o encontra? Quem sabe, até poderia voltar a Moçambique?
Com uma expressão de desalento encolheu os ombros e retorquiu:
- Pois é, mas as viagens são muito caras.
- Nem tanto, hoje em dia encontram-se viagens baratas.
- Ah … e quanto é que custa o hotel?
- Mais ou menos o mesmo que aqui, é conforme o hotel. Procure na Net …
- Sabe eu tenho 71 anos e estou quase cego, sofro de uma doença chamada cório-retinite bilateral. Está num estado muito avançado e isso mexe com a minha cabeça. Nervos … Além disso estou a ajudar dois filhos e dois netos. A filha ainda não tem crianças … Mas olhe já fiquei muito feliz por ter encontrado alguém com quem falar português que já deve estar bastante “enferrujado”. A gente não pratica durante muito tempo e vai esquecendo … eu já tinha saudades!
- Não senhor, está perfeito!
Os seus olhos baços brilharam por um instante. Despedimo-nos à porta do hotel com um abraço.
- O meu nome é Angel … Ângelo, e o seu qual é ?
Esta manhã, com um tempo que
continua magnífico, fiz um agradabilíssimo passeio a pé até à estação de C.F. Fui fazer a reserva da minha couchette
para o comboio que parte logo à noite (20.30) para Belgrado. Nunca gostei de
comboios nocturnos, mas é o que há. Sei que há quem prefira, não perde tempo útil
e poupa uma noite de hotel. Eu encontro os seguintes contras: 1º, não podemos
apreciar a paisagem que é um dos pontos fortes da trip. 2º, apanham-se
brutais secas enquanto se aguarda a hora da partida. 3º, chegamos ao destino
todos feitos num oito. Apodera-se de nós um nervoso miudinho e acabamos por não
descansar nada, o que se traduz na mistura explosiva de
cansaço/irritação. Dentro dos meus princípios está a máxima “o graveto só serve
para uma coisa; para se gastar”. Devagarinho e com muita prudência, com certeza!
Por isso, e mediante um pagamento extra, mantenho a soberania sobre os meus
aposentos até praticamente a hora de abalar. Dá para almoçar bem e em cima,
rebater com uma bela sesta! Antes de deixar a estação, tive de tomar as
cautelas do costume. Fiz o reconhecimento geral do espaço, percorri o acesso
até à plataforma de onde há-de partir o meu comboio, calculei o tempo
necessário até lá, confirmei horários de partida nos monitores e a hora de
chegada. Com tantos cuidados ainda me falta saber como é que fiquei apeado em
Stara Zagora. E continuo a jurar que não fumei nem bebi senão água!
A estação de Sófia já teve dias melhores,
seguramente. Deve ter sido faustosa como todas as obras representativas de
l’ancien régime. Hoje o seu átrio e as escadas rolantes até ao túnel
inferior que conduz às plataformas, podem ser classificados como sofríveis.
Depois … é o cheiro a urina por tudo quanto é canto, degraus partidos ou
arrancados, prados a crescerem entre as linhas … uma lástima. Num grande e bom supermercado
da cadeia Billa (ou será billa que quer dizer supermercado em búlgaro?) a
funcionar na estação, abasteci-me de água e fruta para a viagem. Regressei
perto da hora de almoço sob as picadas de um sol igual ao do nosso verão. Numa
passagem inferior, quando eu hesitava por qual das vias de saída tomar para me
dirigir ao hotel, um senhor idoso, baixinho, de mitra na cabeça e óculos com
grossas lentes aproximou-se perguntando através de mímica para onde é que eu
pretendia ir. Para o centro, respondi. Quis saber se eu falava alguma destas
línguas: Francês, italiano, português. Em português, questionei-o:
- Então, diga-me, onde aprendeu a falar português?
- Foi em Moçambique, respondeu, revelando um conhecimento
da língua perfeitamente funcional.- E esteve lá muito tempo?
- Sim, mas já regressei há vinte e quatro anos.
- E o que é que fazia lá?
- Eu sou engenheiro mecânico. Tomava conta das máquinas de uma indústria de mobiliário. Tive muito contacto com um senhor português chamado Silvestre que ia lá fazer negócios.
- E porque não vai até Portugal ver se o encontra? Quem sabe, até poderia voltar a Moçambique?
Com uma expressão de desalento encolheu os ombros e retorquiu:
- Pois é, mas as viagens são muito caras.
- Nem tanto, hoje em dia encontram-se viagens baratas.
- Ah … e quanto é que custa o hotel?
- Mais ou menos o mesmo que aqui, é conforme o hotel. Procure na Net …
- Sabe eu tenho 71 anos e estou quase cego, sofro de uma doença chamada cório-retinite bilateral. Está num estado muito avançado e isso mexe com a minha cabeça. Nervos … Além disso estou a ajudar dois filhos e dois netos. A filha ainda não tem crianças … Mas olhe já fiquei muito feliz por ter encontrado alguém com quem falar português que já deve estar bastante “enferrujado”. A gente não pratica durante muito tempo e vai esquecendo … eu já tinha saudades!
- Não senhor, está perfeito!
Os seus olhos baços brilharam por um instante. Despedimo-nos à porta do hotel com um abraço.
- O meu nome é Angel … Ângelo, e o seu qual é ?
Meu caro Vitor, de vez em quando e conforme prometi, faço umas visitas a este teu Blog para saber das novidades. Confesso que sinto alguma inveja por não ter a tua coragem, o que se traduz por perder as peripécias que vais experienciando e que serão, inquestionavelmente, enriquecedoras do teu património cultural. Desejo-te continuação de boa viagem e continuo a "espreitar" as excelentes descrições, a que consegues imprimir um irreprensível realismo. Uma abraço.
ResponderEliminarQueria dizer "irrepreensível". Por opção pessoal, ainda não aderi ao novo acordo ortográfico!
ResponderEliminar