Mapa da Guiné onde se pode visualizar a ilha de Bubaque.
Rui Pedro ao balcão do bar da esplanadado Hotel Bijagós (abandonado).
Edifício de arquitectura original que terá servido de residência de férias a um chefe de estado guineense (informação recolhida no local)
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As peripécias de uma viagem marítima.
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Cupelão de Baixo, Cupelão de Cima, Stª Luzia, Amura, Bandim, foram os bairros da cidade por onde deambulámos no dia seguinte à épica expedição ao K3.
O nosso próximo objectivo, há muito traçado, consistia na deslocação ao arquipélago dos Bijagós. Já sabíamos que a viagem teria de ser feita por barco dado não existir qualquer ligação aérea entre Bissau e Bubaque, a ilha que pretendemos visitar. Contaram-nos até uma história algo rocambolesca que fica aqui pelo preço da compra:
O nosso próximo objectivo, há muito traçado, consistia na deslocação ao arquipélago dos Bijagós. Já sabíamos que a viagem teria de ser feita por barco dado não existir qualquer ligação aérea entre Bissau e Bubaque, a ilha que pretendemos visitar. Contaram-nos até uma história algo rocambolesca que fica aqui pelo preço da compra:
Em tempos não muito recuados, teria aparecido um audacioso empresário cuja nacionalidade não me foi revelada, que a bordo do seu pequeno avião supria a falta de transporte aéreo entre o arquipélago e o continete. O serviço revelou-se tão efectivo quanto imprescindível e no momento em que a avioneta teve a sua primeira avaria, não foi difícil desbloquear os cinquenta mil euros orçamentados para a reparação. Na posse da taluda, o nosso piloto deu à sola e até hoje. Investigação posterior terá revelado que o homem nem brevet possuía. São histórias típicas de África, nas quais é sempre difícil distinguir a verdade da ficção.
De passagem pela zona portuária, foi possível apurar o seguinte:
- Transporte regular (carreira) entre as Ilhas e o continente, não existe.
- Pessoas e mercadorias, viajam de e para os Bijagós em pirogas com cerca de 9 metros de comprimento por três de boca e motor a diesel inbord, ao sabor da tabela de marés. A duração da viagem é de cerca de quatro horas e custa à volta de 900 cfa’s por pessoa.
- Os pilotos são práticos que governam as embarcações pelo tino e de acordo com a experiência adquirida, auxiliados por uma agulha magnética.
- É possível fazer a viagem em lancha rápida em fibra de vidro, actividade a que se dedicam alguns operadores informais, mas o custo é incomportável para o nosso orçamento.
- A época em que vamos viajar é particularmente propícia a acidentes. Duas semanas antes, uma embarcação que fazia a travessia naufragou tendo-se perdido trinta e tal vidas.
- Atracado ao cais, encontra-se um arrastão adaptado para navegação de cabotagem que, segundo informação do capitão, espanhol, deverá entrar brevemente em actividade. Disseram-me que era propriedade de um emigrante cabo-verdiano disposto a meter mais duas unidades ao serviço, caso o negócio corra bem.
Na posse destes elementos, aprazámos a partida para a quarta feira seguinte, ao meio dia.
O bulício que precede os preparativos para a largada é indescritível. No pequeno cais, para além das pirogas com destino a Bubaque e Bolama, atracam também as embarcações da pesca local. Pescadores, intermediários e vendedores de peixe, atropelam-se no frenesim do negócio, procurando abrir caminho à força de buzinadelas das decrépitas viaturas que conduzem. Ali mesmo, com o chão de cimento do cais a servir de expositor, montículos de peixe acabado de descarregar é apreçado por donas de casa que procuram algo com que guarnecer a panela, ao menor preço possível.
A tudo isto, somam-se os táxis e toca-tocas, carrinhas de nove lugares onde por norma viajam o dobro dos passageiros e respectivas bagagens. Chegam também as camionetas que vêm descarregar as mercadorias despachadas. Porque as pirogas não transportam apenas os passageiros e sua tralha. No porão seguem também materiais de construção (cimento, telha e tijolos, chapas de zinco, tintas e ferragens etc.), leitos, colchões e outras peças de mobiliário, paletes de bebidas, mercearias, sacos de batatas e cebolas, enfim, tudo o que uma população necessita tendo como única moeda de troca, o óleo de dendém ou peixe seco. Estes produtos ocupam praticamente todo o espaço livre da embarcação, acomodando-se os passageiros sobre a carga, como podem.
Quem vai ao mar avia-se em terra. Assim fizemos, o Rui Pedro e eu, ao decidir criteriosamente o que deveríamos levar dentro das mochilas nesta viagem de elevado risco. Pois, para além de um excelente colete salva-vidas para cada um, que tinha viajado connosco desde Lisboa – homem prevenido vale por dois –, nada, e até os sapatos foram substituídos por chinelos de enfiar o dedo, de forma a não constituir sobrecarga ou embaraço no momento da aflição se tal viesse a acontecer.
De passagem pela zona portuária, foi possível apurar o seguinte:
- Transporte regular (carreira) entre as Ilhas e o continente, não existe.
- Pessoas e mercadorias, viajam de e para os Bijagós em pirogas com cerca de 9 metros de comprimento por três de boca e motor a diesel inbord, ao sabor da tabela de marés. A duração da viagem é de cerca de quatro horas e custa à volta de 900 cfa’s por pessoa.
- Os pilotos são práticos que governam as embarcações pelo tino e de acordo com a experiência adquirida, auxiliados por uma agulha magnética.
- É possível fazer a viagem em lancha rápida em fibra de vidro, actividade a que se dedicam alguns operadores informais, mas o custo é incomportável para o nosso orçamento.
- A época em que vamos viajar é particularmente propícia a acidentes. Duas semanas antes, uma embarcação que fazia a travessia naufragou tendo-se perdido trinta e tal vidas.
- Atracado ao cais, encontra-se um arrastão adaptado para navegação de cabotagem que, segundo informação do capitão, espanhol, deverá entrar brevemente em actividade. Disseram-me que era propriedade de um emigrante cabo-verdiano disposto a meter mais duas unidades ao serviço, caso o negócio corra bem.
Na posse destes elementos, aprazámos a partida para a quarta feira seguinte, ao meio dia.
O bulício que precede os preparativos para a largada é indescritível. No pequeno cais, para além das pirogas com destino a Bubaque e Bolama, atracam também as embarcações da pesca local. Pescadores, intermediários e vendedores de peixe, atropelam-se no frenesim do negócio, procurando abrir caminho à força de buzinadelas das decrépitas viaturas que conduzem. Ali mesmo, com o chão de cimento do cais a servir de expositor, montículos de peixe acabado de descarregar é apreçado por donas de casa que procuram algo com que guarnecer a panela, ao menor preço possível.
A tudo isto, somam-se os táxis e toca-tocas, carrinhas de nove lugares onde por norma viajam o dobro dos passageiros e respectivas bagagens. Chegam também as camionetas que vêm descarregar as mercadorias despachadas. Porque as pirogas não transportam apenas os passageiros e sua tralha. No porão seguem também materiais de construção (cimento, telha e tijolos, chapas de zinco, tintas e ferragens etc.), leitos, colchões e outras peças de mobiliário, paletes de bebidas, mercearias, sacos de batatas e cebolas, enfim, tudo o que uma população necessita tendo como única moeda de troca, o óleo de dendém ou peixe seco. Estes produtos ocupam praticamente todo o espaço livre da embarcação, acomodando-se os passageiros sobre a carga, como podem.
Quem vai ao mar avia-se em terra. Assim fizemos, o Rui Pedro e eu, ao decidir criteriosamente o que deveríamos levar dentro das mochilas nesta viagem de elevado risco. Pois, para além de um excelente colete salva-vidas para cada um, que tinha viajado connosco desde Lisboa – homem prevenido vale por dois –, nada, e até os sapatos foram substituídos por chinelos de enfiar o dedo, de forma a não constituir sobrecarga ou embaraço no momento da aflição se tal viesse a acontecer.
Na quarta feira, ainda não eram 11h30 e já estávamos instalados. Encontrei lugar a meia nau, sentado sobre uma espécie de banco corrido de borda a borda e pernas penduradas sobre o poço do porão. O Rui Pedro, a estibordo, rodeado de sacos de cebolas exalando um odor fétido a putrefacção que ele responsabilizou pelo desencadear do enjoo.
A manobra da largada decorreu normalmente e pouco depois estávamos a navegar num mar de senhoras sob um sol esplendoroso, praticamente sem vento. Era a bonança que precede a tormenta! Calculo que tenhamos navegado cerca de uma hora nestas condições, depois … Primeiro foi o vento, um vento suão de SE, moderado, que fazia com que o toldo de lona começasse a agitar-se ruidosamente contra a estrutura metálica de suporte. Não tardou a agigantar-se e em vez do flap, flap da lona, o que se ouvia era um silvo tão forte quanto o uivo do dragão de S. Jorge. O céu escureceu, ficou da cor do chumbo, anunciando um crepúsculo precoce. As primeiras ondas atingem a embarcação pelo través de estibordo e imprimem-lhe um movimento de rolling, ainda assim suportável, mas que começava a causar mal estar aos passageiros. Alguns começam a engodar! Subitamente, o ribombar de um trovão por cima de nós foi como que o sinal para que todos os elementos de um inferno tempestuoso se encarniçassem contra a frágil piroga e seus ocupantes. O vento soprando em rajadas violentíssimas rebentou com as peias que fixavam a capota à respectiva estrutura, a chuva fustigava-nos por todos os lados. Os tripulantes, empoleirados na borda e correndo o risco de serem projectados para o oceano, tentavam remediar os estragos. Vagas de mais de três metros atacam de proa e través, a barcoleta agitava-se num movimento complexo que pôs toda a gente a clamar pelo gregório. A chuva de tão intensa, deixa os pilotos às cegas; a guiá-los têm apenas a luz dos relâmpagos, agora contínuos. Percebo então porque é que não aproam à vaga para maior conforto dos passageiros e segurança da embarcação. Receiam perder-se, já que seguem um rumo fixo em cada um dos sentidos. Sem pré aviso, o desastre faz-se anunciar; num balanço mais forte, o lado de bombordo fica debaixo de água! Os receios passam a pânico quando três homens à proa e outros tantos à ré, formando uma cadeia de baldes, não conseguem dar vazão à água que a cada golpe do mar inunda o porão, tornando a embarcação mais pesada. O silêncio dos passageiros, na sua maioria Bijagós e habituados à monção, só é quebrado por uma espécie de litania que não entendo. Pergunto ao meu companheiro do lado, um natural das ilhas, professor primário de regresso em gozo de licença, o significado daquela espécie de murmúrio colectivo. Diz-me que sendo a maioria dos passageiros animista, imploram os espíritos, para que nos deixem chegar.
Foram três horas de verdadeiro calvário até começarmos a navegar ao abrigo das ilhas. Gradualmente, a meteorologia foi-se tornando mais favorável e a chegada ao cais de Bubaque dá-se pelas cinco horas da tarde, novamente com um tempo primoroso.
Percorremos as duas centenas de metros que nos separam do povoado subindo uma rua bastante inclinada, em cujas bermas as enxurradas abriram o leito de pequenos riachos que chegam a ser tumultuosos a cada bátega. Uma das primeiras casas é uma espécie de cantina onde se vende de tudo um pouco. Abastecemo-nos com pão e latas de atum para o lanche e partimos à procura de alojamento. Por mero acaso, dirigimo-nos ao resort do Fontes, logo ao dobrar da esquina. Recebe-nos com simpatia e diz-nos que por telefone recebeu informações de Bissau que punham em causa a possibilidade do nosso transporte chegar ao destino! Dado que é ele o responsável pelo único meio de comunicação existente na ilha, apressa-se a informar quem de direito que afinal tudo correu melhor do que o esperado. O Fontes é um homem simpático de cerca e cinquenta anos, antigo funcionário do Hotel Bijagós. Com o encerramento daquela unidade tentou a sua sorte e mandou construir quatro bungalows em alvenaria, de forma circular, semelhantes aos nossos moinhos de vento. Lá dentro, duas camas geminadas que se podem afastar, lençóis limpos, uma ventoinha de teto que só funciona do pôr do sol até às dez da noite. Na casa de banho, limpa e funcional, o chuveiro decorativo e o inevitável banho balanta, de púcaro e alguidar.
Foram três horas de verdadeiro calvário até começarmos a navegar ao abrigo das ilhas. Gradualmente, a meteorologia foi-se tornando mais favorável e a chegada ao cais de Bubaque dá-se pelas cinco horas da tarde, novamente com um tempo primoroso.
Percorremos as duas centenas de metros que nos separam do povoado subindo uma rua bastante inclinada, em cujas bermas as enxurradas abriram o leito de pequenos riachos que chegam a ser tumultuosos a cada bátega. Uma das primeiras casas é uma espécie de cantina onde se vende de tudo um pouco. Abastecemo-nos com pão e latas de atum para o lanche e partimos à procura de alojamento. Por mero acaso, dirigimo-nos ao resort do Fontes, logo ao dobrar da esquina. Recebe-nos com simpatia e diz-nos que por telefone recebeu informações de Bissau que punham em causa a possibilidade do nosso transporte chegar ao destino! Dado que é ele o responsável pelo único meio de comunicação existente na ilha, apressa-se a informar quem de direito que afinal tudo correu melhor do que o esperado. O Fontes é um homem simpático de cerca e cinquenta anos, antigo funcionário do Hotel Bijagós. Com o encerramento daquela unidade tentou a sua sorte e mandou construir quatro bungalows em alvenaria, de forma circular, semelhantes aos nossos moinhos de vento. Lá dentro, duas camas geminadas que se podem afastar, lençóis limpos, uma ventoinha de teto que só funciona do pôr do sol até às dez da noite. Na casa de banho, limpa e funcional, o chuveiro decorativo e o inevitável banho balanta, de púcaro e alguidar.
Fornece-nos os talheres para o lanche e, a nosso pedido, vai à zona do cais comprar peixe fresco para grelhar. Por sugestão sua, terá arroz de tomate como acompanhamento. Como ainda tínhamos perto de duas horas de luz solar, aproveitámos para dar um passeio a pé pelas imediações e fazer algumas fotografias.
É noite fechada quando regressamos ao resort. À nossa espera, numa espécie de esplanada coberta a capim, o Fontes luta com a teimosia de um fogo desmancha prazeres, obstinado em libertar mais fumo do que calor. O seu filho, um rapazito de onze ou doze anos, procura animar o ambiente substituindo cassete após cassete num rádio gravador. Sentadas a uma das mesas encontram-se três jovens na casa dos vinte anos, muito produzidas, que nos vieram dar as boas vindas. Quando o peixe a saber a fumo vem para a mesa, são as primeiras a espetar o garfo. Alto aí, digo eu, e peço ao Fontes que traga uma nova travessa para onde trasfego um certa quantidade de arroz. Sem peixe! Provavelmente por discordância com o cardápio, as jovens retiraram-se em silêncio e a noite serviu efectivamente para dormir e descansar da terrível viagem.
Dado que a terra pouco mais tinha para oferecer ao visitante para além do que já havíamos visto, resolvemos partir no dia seguinte. Pelas 7h30, já com o pequeno almoço tomado, uma manhã escorrida e soalheira convidava ao passeio, que retomámos no ponto onde havia sido interrompido no dia anterior. Às 11h00 estávamos de novo no cais, aguardando ordem de embarque. A viagem Bubaque-Bissau fez-se sensivelmente com o mesmo número de passageiros, cerca de trinta, mas muito menos carga, apenas alguns cestos de castanha de coconote. Largámos, e tudo indicava que iríamos ter uma viagem em que seríamos compensados da tormenta do dia anterior. E assim foi, enquanto tivemos as outras ilhas à vista, que àquela hora apresentavam uma beleza luminosa, com praias de areia muito branca bordejadas de palmeirais e águas tépidas de cor verde turquesa. Porém, logo que entrámos em mar aberto, tudo se precipitou tão rapidamente que nem houve tempo para interiorizar a mudança. As condições de mar e de vento eram idênticas às do dia anterior, para pior. Mas, dado que a piroga estava muito mais leve, parecia que rodopiava como uma casca de noz numa prova de rafting. A certa altura apercebemo-nos que os nossos companheiros começavam a libertar-se de todos os seus haveres. Muitos chegam a descalçar-se e tiram algumas roupas. As mochilas que tanto eu como o Rui Pedro levávamos traçadas sobre o peito, começaram a chamar perigosamente a atenção. Olhares repreensivos davam-nos a entender que o nosso comportamento não era do agrado dos demais. Pela nossa parte, receávamos dar a conhecer a existência dos coletes salva-vidas, os únicos existentes na embarcação, por receio de que na iminência de termos que abandonar o barco nos viéssemos a transformar num cacho humano com destino ao fundo do mar. Quando um dos passageiros deitou a mão a uma das correias da minha mochila e fez tenção de a retirar, fui forçado a abri-la e mostrar o seu conteúdo, um colete salva-vidas cor de laranja. Pois apesar do delicado da situação, as pessoas que se encontravam à nossa volta sorriram, um sorriso apaziguador como quem diz, estes brancos têm esperteza na cabeça, e aí, percebemos que todo aquele aparente desconforto dos nossos companheiros não era mais do que preocupação com a nossa sorte no momento de saltar para a água.
Já com o ilhéu do Rei à vista, o vento pareceu amainar um pouco, mantendo mesmo assim uma intensidade tal que a manobra de atracação foi tentada e repetida durante cerca de uma hora, tal era a força com que nos afastava do cais. Ao pôr o pé em terra, sãos e salvos, tivemos a nítida certeza de que a nossa hora não chegou por um irrepetível golpe de sorte. Desta viagem, para além da simpatia e preocupação dos Bijagós para com o nosso destino, guardo a imagem de um cais onde se apinhavam centenas de pessoas que gritavam e saudavam os recém chegados, porventura duvidando de que se tivessem salvo, tais eram as condições de tempo e de mar.
Como não há duas sem três, vamos esperar pela terceira, já que a segunda aconteceu numa descida do Amazonas, de Manaus para Belém. Fica para um próximo post.
Juan
Dado que a terra pouco mais tinha para oferecer ao visitante para além do que já havíamos visto, resolvemos partir no dia seguinte. Pelas 7h30, já com o pequeno almoço tomado, uma manhã escorrida e soalheira convidava ao passeio, que retomámos no ponto onde havia sido interrompido no dia anterior. Às 11h00 estávamos de novo no cais, aguardando ordem de embarque. A viagem Bubaque-Bissau fez-se sensivelmente com o mesmo número de passageiros, cerca de trinta, mas muito menos carga, apenas alguns cestos de castanha de coconote. Largámos, e tudo indicava que iríamos ter uma viagem em que seríamos compensados da tormenta do dia anterior. E assim foi, enquanto tivemos as outras ilhas à vista, que àquela hora apresentavam uma beleza luminosa, com praias de areia muito branca bordejadas de palmeirais e águas tépidas de cor verde turquesa. Porém, logo que entrámos em mar aberto, tudo se precipitou tão rapidamente que nem houve tempo para interiorizar a mudança. As condições de mar e de vento eram idênticas às do dia anterior, para pior. Mas, dado que a piroga estava muito mais leve, parecia que rodopiava como uma casca de noz numa prova de rafting. A certa altura apercebemo-nos que os nossos companheiros começavam a libertar-se de todos os seus haveres. Muitos chegam a descalçar-se e tiram algumas roupas. As mochilas que tanto eu como o Rui Pedro levávamos traçadas sobre o peito, começaram a chamar perigosamente a atenção. Olhares repreensivos davam-nos a entender que o nosso comportamento não era do agrado dos demais. Pela nossa parte, receávamos dar a conhecer a existência dos coletes salva-vidas, os únicos existentes na embarcação, por receio de que na iminência de termos que abandonar o barco nos viéssemos a transformar num cacho humano com destino ao fundo do mar. Quando um dos passageiros deitou a mão a uma das correias da minha mochila e fez tenção de a retirar, fui forçado a abri-la e mostrar o seu conteúdo, um colete salva-vidas cor de laranja. Pois apesar do delicado da situação, as pessoas que se encontravam à nossa volta sorriram, um sorriso apaziguador como quem diz, estes brancos têm esperteza na cabeça, e aí, percebemos que todo aquele aparente desconforto dos nossos companheiros não era mais do que preocupação com a nossa sorte no momento de saltar para a água.
Já com o ilhéu do Rei à vista, o vento pareceu amainar um pouco, mantendo mesmo assim uma intensidade tal que a manobra de atracação foi tentada e repetida durante cerca de uma hora, tal era a força com que nos afastava do cais. Ao pôr o pé em terra, sãos e salvos, tivemos a nítida certeza de que a nossa hora não chegou por um irrepetível golpe de sorte. Desta viagem, para além da simpatia e preocupação dos Bijagós para com o nosso destino, guardo a imagem de um cais onde se apinhavam centenas de pessoas que gritavam e saudavam os recém chegados, porventura duvidando de que se tivessem salvo, tais eram as condições de tempo e de mar.
Como não há duas sem três, vamos esperar pela terceira, já que a segunda aconteceu numa descida do Amazonas, de Manaus para Belém. Fica para um próximo post.
Juan
Caro Juan, foste a Bubaque ou dobraste o Cabo das Tormentas? E temporal em dose dupla, é de homem.
ResponderEliminarQuem na Guiné não morreu na guerra, não há-de morrer na paz.
Confesso que com uma narrativa tão minuciosa, me senti inseguro por não ter colete de salvação e ainda por cima não saber nadar. Nem falo, claro, do enjoo.
Um abraço
Vinhal
Caro Juan,
ResponderEliminarMeu nome é Guilherme Ferreira,
já há muito tempo que ando á procura deste Navio, e com muita pesquisa e horas na Net encontrei esta foto do navio, seria possivel me mandar esta ou mais fotos para eu colocar na Minha Pagina?
http://www.mailhamburg.com/schiffe-2.html
O Navio SAO JORGE chamava-se ( PORTO NOVO ) foi feito para Cabo Verde, e foi construido
em Hamburgo no estaleiro naval JOHANN OELKERS aonde eu trabalhei.
mais sobre este, gostaria de eu saber e o que foi feito dele.
muito obrigado e um grande abraço
Guilherme Ferreira